PASSO 100%

RENDIÇÃO – ADMISSÃO – ACEITAÇÃO
O Primeiro Passo nos fala de rendição. A palavra “render” me leva a outra: “derrota” e derrota para mim era algo inconcebível. Meu orgulho me impedia de enxergar qualquer tipo de derrota, mas os companheiros de A. A. conseguiram abrir uma brecha em meu orgulho, o suficiente para eu me sentir derrotado pelo álcool.
Eu me rendi, admiti e aceitei que eu era um alcoólico. Tinha algo errado em minha maneira de beber. Percebi logo cedo em A. A. que eu tinha que viver no mundo real, que a vida no mundo imaginário do alcoolismo estava me destruindo e não me levaria a lugar nenhum.
A admissão da impotência é o primeiro passo para a libertação desta obsessão mental poderosa que nos leva sempre a buscar o álcool como refúgio. Aliada a esta obsessão ou depois de satisfeita esta obsessão através da ingestão de algum gole de bebida surgia outra força tão poderosa quanto à obsessão que era a compulsão. Esta compulsão me obrigava a continuar bebendo cada vez mais. Que loucura!
Como entender que uma pessoa inteligente, segura de si, já experiente, ciente do buraco para o qual estava encaminhando não conseguia controlar a sua maneira de beber? Pois é, eu não tinha resposta para esta pergunta, mas o A. A. logo em seu Primeiro Passo para a recuperação me mostrou a dura realidade: o alcoolismo é um doença incurável, progressiva e de fins quase sempre fatais. Que triste notícia, mas junto com esta triste notícia veio outra e esta outra era confortadora e me mostrava o caminho a ser seguido: – só existe uma forma de deter este anseio louco pela bebida alcoólica: Este caminho é evitar o primeiro gole, pois é ele que põe em movimento toda esta loucura mental, esta obsessão aliada a compulsão que leva o alcoólico cada vez mais para o fundo, cada vez mais para a escuridão do fundo de poço. E é esta fabulosa sugestão que eu venho seguindo com sucesso: evitando o primeiro gole e me apoiando nos companheiros através das reuniões venho conseguindo, um dia de cada vez, conter esta destruição chamada alcoolismo. Quero destacar dois pontos muito importantes que constam em nossa literatura:
1) Nos primeiros tempos de A. A. era pensamento que somente os alcoólicos mais desesperados conseguiriam digerir esta notícias amargas, mas com o passar dos anos puderam perceber que mesmo aqueles que apenas eram bebedores potenciais poderiam ser atingidos pela experiência salvadora de A. A. e conseguiram evitar muitos anos de puro inferno em suas vidas. Cada vez mais, alcoólicos mais jovens e com um fundo de poço menos doloroso vêm alcançando A. A.
2) Existe uma pergunta de fundamental importância em nosso Primeiro Passo: Por que insistir que todo A. A. precisa chegar ao fundo de poço? E a resposta vem logo a seguir: porque para praticar os restantes onze passos de A. A. requer a adoção de atitudes e ações que quase nenhum alcoólico sonharia adotar. Quem se dispõe a ser rigorosamente honesto e tolerante? Honestidade, tolerância, compreensão, humildade, coragem e tantas outras virtudes até então desconhecidas para o alcoólico passam a ter importância fundamental na prática do restante do programa. Mas não precisamos nos desesperar, pois estas virtudes virão aparecendo pouco a pouco, um dia de cada vez, necessitamos para que isso ocorra somente ter a mente aberta e boa vontade.
(Fonte: Revista Vivência Nº 111-Jan-Fev/2008 – Onofre/Cachoeira do Campo/MG)

RENDIÇÃO
“Na Opinião do Bill”
NAS MÃOS DE DEUS
Quando olhamos para o passado, reconhecemos que as coisas que nos chegaram quando nos entregamos nas mãos de Deus foram melhores do que qualquer coisa que pudéssemos ter planejado.
Minha depressão aumentou de forma insuportável até que finalmente me pareceu estar no fundo do poço, pois naquele momento o último vestígio de minha orgulhosa obstinação foi esmagado. Imediatamente me encontrei exclamando: “Se existe um Deus, que Ele se manifeste! Estou pronto para fazer qualquer coisa, qualquer coisa!”
De repente, o quarto se encheu de uma forte luz. Pareceu-me com os olhos de minha mente, que eu estava numa montanha e que soprava um vento, não de ar, mas de espírito. E então tive a sensação de que era um homem livre. Lentamente o êxtase passou. Eu estava deitado na cama, mas agora por instantes me encontrava em outro mundo, um mundo novo de conscientização. Ao meu redor e dentro de mim, havia uma maravilhosa sensação de presença e pensei comigo mesmo: “Então, esse é o Deus dos pregadores!”

AUTO CONFIANÇA E FORÇA DE VONTADE
Quando pela primeira vez fomos desafiados a admitir a derrota, a maioria de nós se revoltou. Havíamos nos aproximado de A. A. esperando aprender a ter auto confiança. Então nos disseram que, no tocante ao álcool, de nada nos serviria a auto confiança: aliás, ela era um empecilho total. Não era possível ao alcoólico vencer a compulsão pela mera força de vontade.
É quando tentamos fazer com que nossa vontade se harmonize com a vontade de Deus, que começamos a usá-la corretamente. Para todos nós, esta foi uma das mais maravilhosas revelações. Todo o nosso problema tinha sido o mau uso da força de vontade. Tínhamos tentado atacar nossos problemas com ela ao invés de tentar fazer com que ela se alinhasse com os planos de Deus para conosco. O propósito dos Doze Passos de A. A. é tornar isto cada vez mais possível.

A FORÇA NASCENDO DA FRAQUEZA
Se estamos dispostos a parar de beber, não podemos abrigar, de forma nenhuma, a esperança de que um dia seremos imunes ao álcool.
Tal é o paradoxo da recuperação em A. A.: a força nascendo da fraqueza e da derrota completa, a perda de uma vida antiga como condição para encontrar uma nova.

SOMENTE COM O PODER DA INTELIGÊNCIA?
Para o homem ou mulher intelectualmente auto suficiente, muitos Aas podem dizer: “Sim, éramos como você – inteligentes demais para nosso próprio bem. Adorávamos ouvir as pessoas nos chamarem de precoces. Usávamos nossa instrução para nos vangloriar, embora tivéssemos o cuidado de esconder isso dos outros. Secretamente, achávamos que poderíamos flutuar acima dos outros, somente com o poder da inteligência.
“O progresso científico nos dizia que não havia nada que o homem não pudesse fazer. O conhecimento era todo poderoso. O intelecto era capaz de conquistar a natureza. Uma vez que éramos mais brilhantes do que a maioria (assim pensávamos), os benefícios da vitória seriam nossos, automaticamente. O deus do intelecto substituía o Deus de nossos pais.
“Mas novamente o álcool tinha outras idéias. Nós, que tão brilhantemente tínhamos vencido, de repente nos convertemos nos maiores derrotados de todos os tempos. Percebemos que tínhamos que mudar ou morrer.”

A PEDRA FUNDAMENTAL DO ARCO DO TRÍUNFO
Tendo experimentado a destruição alcoólica, abrimos nossas mentes em relação às coisas espirituais. A esse respeito, o álcool foi um grande persuasor. Ele finalmente nos derrotou obrigando-nos a raciocinar.
Tivemos que deixar de fazer o papel de Deus. Isso não funcionou. Decidimos que dali por diante, nesse drama da vida, Deus ia ser nosso Diretor. Ele seria o Chefe: nós, os Seus agentes.
As boas idéias, na sua maioria, são simples, e esse conceito constitui a pedra fundamental do novo arco do triunfo, através do qual passamos à liberdade.

PRELÚDIO AO PROGRAMA
Poucas pessoas tentarão praticar sinceramente o programa de A. A., a não ser que tenham “chegado ao fundo do poço”, pois praticar os Passos de A. A. requer a adoção de atitudes e ações que quase nenhum alcoólico que ainda bebe pode sonhar em adotar. O alcoólico típico, egoísta ao extremo, não se interessa por essa perspectiva, a não ser que tenha que fazer essas coisas para não morrer.
Sabemos que o recém-chegado tem que “chegar ao fundo do poço”, do contrário pouca coisa pode acontecer. Por sermos alcoólicos que o compreendem. Podemos usar a fundo o poderoso argumento da obsessão mais alegria, como uma força que pode destruir seu ego. Só assim ele pode se convencer de que unicamente com seus recursos tem pouca ou nenhuma chance.

NÓS NÃO ESTAMOS LUTANDO
Paramos de lutar com tudo e com todos – mesmo com o álcool, pois a essa altura a sanidade voltou. Agora podemos reagir sadia e normalmente, e constatamos que isso aconteceu quase automaticamente. Vemos que essa nova atitude face ao álcool é realmente uma dádiva de Deus.
Aí esta o milagre. Não estamos lutando com ele, nem estamos evitando a tentação. Tampouco temos que prestar juramento. Em vez disso, o problema foi removido. Ele não existe para nós. Não somos nem atrevidos nem medrosos.
É assim que reagimos – enquanto nos mantivermos em boas condições espirituais.

VITÓRIA NA DERROTA
Convencido de que nunca conseguiria fazer parte e jurando nunca me conformar com o segundo lugar, eu sentia que simplesmente tinha que vencer em tudo que quisesse fazer, fosse trabalho ou divertimento. Como essa atraente fórmula de bem viver começou a dar resultado, de acordo com a idéia que eu então fazia do que fosse sucesso, fiquei delirantemente feliz.
Mas quando acontecia de um empreendimento falhar, eu me enchia de ressentimento e depressão que só podiam ser curados com o próximo triunfo. Portanto, muito cedo comecei a avaliar tudo em termos de vitória ou derrota – “tudo ou nada”. A única satisfação que eu conhecia era vencer.
Somente através da derrota total é que somos capazes de dar os primeiros passos em direção à libertação e à força. Nossa admissão de impotência pessoal finalmente vem a ser o leito de rocha firme sobre o qual podem ser construídas vidas felizes e significativas.

ACEITANDO AS DÁDIVAS DE DEUS
“Embora muitos teólogos afirmem que as experiências espirituais súbitas representem alguma distinção especial ou algum tipo de preferência divina, eu questiono esse ponto de vista. Todo ser humano, qualquer que sejam seus atributos para o bem ou para o mal, é uma parte da economia espiritual divina. Portanto, cada um de nós têm seu lugar, e não posso aceitar que Deus pretenda elevar alguns mais do que outros.
Dessa forma, é preciso que todos nós aceitemos qualquer dádiva positiva que recebamos com profunda humildade, tendo sempre em mente que primeiro foram necessárias nossas atitudes negativas, como um meio de nos reduzir a um estado tal que nos deixasse prontos para receber uma dádiva positiva através da experiência da conversão. Nosso próprio alcoolismo e a imensa deflação, que finalmente daí resultou, constituem na verdade a base sobre a qual repousa nossa experiência espiritual.”

FORÇAS CONSTRUTIVAS
Minha opinião era tão arraigada, como a frequentemente vemos hoje em dia nas pessoas que se dizem atéias ou agnósticas, sua vontade de descrer é tão forte, que parecem preferir a morte a uma busca sincera de Deus, feita com a mente aberta. Felizmente para mim e para muitos como eu que buscaram A. A., as forças construtivas, produzidas em nossa Irmandade, quase sempre venceram essa colossal teimosia. Abatidos e completamente derrotados pelo álcool, frente a frente com a prova viva da libertação e rodeados por pessoas que podiam nos falar do fundo do coração, finalmente nos rendemos.
E então, paradoxalmente, nos encontramos numa nova dimensão, o verdadeiro mundo do espírito e da fé. Boa vontade suficiente, mente aberta suficiente – e pronto!

NUNCA O MESMO OUTRA VEZ
Descobrimos que quando um alcoólico plantava na mente de outro a idéia da verdadeira natureza de sua doença, este jamais voltaria a ser o mesmo. Após cada bebedeira, ele diria a si mesmo: “Talvez esses Aas tenham razão”. Depois de algumas experiências assim, e muitas vezes antes do começar a ter grandes dificuldades, ele voltaria a nós, convencido.
Nos primeiros anos, aqueles dentre nós que ficaram sóbrios em A. A., eram na verdade casos horríveis e completamente sem esperança. Mas depois começamos a ter sucesso com alcoólicos moderados, e mesmo com alguns alcoólicos em potencial. Começaram a aparecer pessoas mais jovens. Chegavam muitas pessoas que ainda tinham trabalho, lar, saúde e posição social.
Naturalmente foi necessário que esses recém-chegados chegassem emocionalmente ao fundo do poço, mas eles não tiveram que chegar a todos os tipos de fundo de poço possíveis para admitir que estavam derrotados.

A ESPERANÇA NASCIDA DO DESESPERO
Carta ao Dr, Carl Jung:
“Muitas experiências de conversão, qualquer que seja a variedade, têm como denominador comum o profundo colapso do ego. O indivíduo enfrenta um dilema impossível.
“No meu caso, o dilema tinha sido criado por minha compulsão pela bebida, e o profundo sentimento de desespero foi extremamente aumentado por meu médico. Foi aumentado ainda mais quando meu amigo alcoólatra contou-me de seu veredicto de desespero com respeito ao caso de Rowland H.
“No despertar de minha experiência espiritual, veio-me uma visão de uma sociedade de alcoólicos. Se cada sofredor levasse a outro a visão científica quanto à condição desesperada do alcoólico, poderia abrir-lhe a possibilidade de uma experiência espiritual transformadora. Esse conceito foi e é a base do sucesso, que desde então A. A. tem alcançado.”

FELIZES – QUANDO SOMOS LIVRES
Para a maioria das pessoas normais a bebida significa a libertação da preocupação, do aborrecimento e da ansiedade. Significa uma alegre intimidade com os amigos e um sentimento de que a vida é boa.
Mas não foi isso o que aconteceu conosco, nos últimos tempos de nossas pesadas bebedeiras. Os velhos prazeres desapareceram. Havia um desejo ardente de gozar a vida, como nunca, e uma dolorosa ilusão de que algum novo controle milagroso nos permitisse fazê-lo. Havia sempre mais uma tentativa e mais um fracasso.
Estamos certos de que Deus nos quer ver felizes, alegres e livres. Portanto, não podemos compartilhar a crença de que esta vida seja necessariamente um vale de lágrimas, embora em certa época tenha sido exatamente isto para muitos de nós. Mas ficou claro que vivíamos criando nossa própria miséria.

EM BUSCA DA FÉ PERDIDA
Muitos Aas podem dizer a uma pessoa sem fé: “Nós desviamos da fé que tínhamos quando crianças. Com a chegada do sucesso material, achamos que estávamos ganhando o jogo da vida. Isso era emocionante e nos fazia felizes.
“Por que deveríamos nos preocupar com abstrações teológicas e deveres religiosos ou com o estado de nossas almas aqui ou no além? A vontade de ganhar nos levaria para frente”.
“Mas então o álcool começou a nos dominar. Finalmente, quando começamos a ver nosso placar marcando zero, e percebemos que mais um golpe nos colocaria fora do jogo para sempre, tivemos que buscar nossa fé perdida. Foi em A. A. que a reencontramos.”

ENTREGAR-SE SEM RESERVAS
Depois de fracassar em meus esforços para fazer alguns bêbados pararem de beber, o Dr. Silkworth novamente me lembrou da observação do professor William James de que as experiências espirituais realmente transformadoras quase sempre se baseiam num estado de calamidade e colapso. “Pare de lhes pregar sermões”, disse o Dr. Silkworth, “e dê-lhes primeiro os duros fatos médicos. Isso pode sensibilizá-los tão profundamente que talvez venham a querer fazer qualquer coisa para recuperar-se. Então sim, elas poderão aceitar aquelas suas idéias espirituais e talvez até um Poder Superior”.
Pedimos que você seja destemido e meticuloso desde o início. Alguns de nós procuramos nos agarrar às nossas antigas idéias, e o resultado foi nulo – até que nos entregamos sem reservas.

COMBATE SEM AJUDA
Na verdade, poucos são aqueles que, assaltados pelo tirano álcool, venceram o combate sem ajuda. É um fato estatístico que os alcoólicos quase nunca se recuperam, só por meio de seus próprios recursos.
A caminho de Point Barrow, no Alaska, dois garimpeiros se instalaram numa cabana com uma caixa de uísque. O tempo ficou muito ruim e a temperatura baixou para 20 graus negativos; eles ficaram tão bêbados que deixaram o fogo apagar. Quando estavam a ponto de morrer por congelamento, um deles acordou a tempo de reacender o fogo. Saiu para procurar combustível e avistou um tambor de óleo vazio, cheio de água congelada. Embaixo do gelo, avistou um objeto amarelo-avermelhado. Eles descongelaram o tal objeto, e era um livro de A. A. Um deles leu o livro e parou de beber. A lenda diz que ele se tornou o fundador de um de nossos grupos mais longínquos do norte.

O INSTINTO DE VIVER
Quando homem e mulheres ingerem tanto álcool a ponto de destruir suas vidas, cometem um ato totalmente antinatural. Contrariando seu desejo instintivo de auto preservação, parecem estar inclinados à auto destruição. Lutam contra seu mais profundo instinto.
À medida que vão progressivamente se humilhando pela terrível surra administrada pelo álcool, a graça de Deus pode penetrar neles e expulsar sua obsessão. Aqui, seu poderoso instinto de viver pode cooperar plenamente com o desejo de seu Criador de lhes dar uma nova vida.
“A característica central da experiência espiritual consiste em dar a quem a experimenta uma nova e melhor motivação, fora de qualquer proporção com qualquer processo de disciplina, crença ou fé.
“Essas experiências não podem nos tornar íntegros de uma vez; constituem um renascimento a uma nova e verdadeira oportunidade.”

“IMPOTENTE PERANTE O ÁLCOOL”
Eu vinha descendo continuamente ladeira abaixo e, naquele dia em 1934, estava acamado no andar superior do hospital, sabendo pela primeira vez que estava completamente sem esperança.
Lois estava no andar térreo, e o Dr. Silkworth estava tentando, com suas maneiras gentis, transmitir a ela o que estava acontecendo comigo e que meu caso era sem esperança. “Mas Bill tem uma grande força de vontade”, ela disse. “Ele tem tentado desesperadamente ficar bom. Doutor, por que ele não consegue parar?”
Ele explicou que minha maneira de beber, que anteriormente era um hábito, tornou-se uma obsessão, uma verdadeira loucura que me condenava a beber contra meu desejo.
“Nos últimos estágios de nosso alcoolismo ativo, a vontade de resistir já não existe. Portanto, quando admitimos a derrota total e quando ficamos inteiramente dispostos a tentar os princípios de A. A., nossa obsessão desaparece e entramos numa nova dimensão – a liberdade sob a vontade de Deus, como nós O concebemos.”

DESDE A RAIZ PRINCIPAL
O princípio de que não encontraremos qualquer força duradoura, sem antes admitamos a derrota total é a raiz principal da qual germinou e floresceu nossa sociedade toda.
É dito a todo recém-chegado, e logo ele percebe por si mesmo, que sua humilde admissão de impotência perante o álcool constitui o primeiro passo em direção à libertação de seu jugo embriagador.
Assim, pela primeira vez, vemos a humildade como uma necessidade. Mas isso é apenas o começo. Afastar completamente nossa aversão à idéia de ser humildes, obter uma visão da humildade como o caminho que leva à verdadeira liberdade do espírito humano, trabalhar para a conquista da humildade como algo desejável por si mesmo, são coisas que demoram muito, muito tempo para a maioria de nós. Uma vida inteira dedicada ao egocentrismo não pode ser mudada de repente.

ALTO E BAIXO
Quando nossa Irmandade era pequena, lidávamos somente com “casos desesperados”. Muitos alcoólicos menos desesperados tentavam A. A., mas não eram bem-sucedidos porque não podiam admitir sua desesperança.
Nos anos seguintes isso mudou. Os alcoólicos que ainda tinham saúde, família, trabalho e até dois carros na garagem, começaram a reconhecer seu alcoolismo. À medida que essa tendência crescia, jovens que mal passavam de alcoólicos em potencial passaram a juntar-se a eles. Como poderiam pessoas como essas aceitar o Primeiro Passo?
Recordando nossas próprias histórias de bebida, mostrávamos a eles que anos antes de reconhecê-lo, já havíamos perdido o controle, que mesmo naquela época nossa maneira de beber já não era um mero hábito, que era na verdade o começo de uma progressão fatal.

VÁ COM CALMA, MAS VÁ
A procrastinação na verdade é apenas preguiça.
“Tenho observado que algumas pessoas conseguem suportar alguma procrastinação, mas muito poucos conseguem viver em completa rebeldia.”
“Temos conseguido colocar muitos bebedores problema diante desta terrível alternativa: ‘Ou nós, Aas, fazemos isso, ou morreremos’. Uma vez que isto entre em sua cabeça, beber mais só vai apertar mais o laço.
“Como muitos alcoólicos têm dito: ‘Cheguei ao ponto em que ou permanecia em A. A. ou do lado de fora. De modo que aqui estou!’”
(Fonte: Na Opinião do Bill – paginas: 2-42-49-60-87-118-121-135-168-174-209-217-218-235-242-245-246-283-305-314-322)

ADMISSÃO
“Na Opinião do Bill”
ACERCA DA HONESTIDADE
O perverso desejo de ocultar um mau motivo, atrás do bom, se infiltra nos atos humanos de alto a baixo. Esse tipo sutil e evasivo, de farisaísmo, pode se esconder sob o ato ou pensamento mais insignificante. Aprender a identificar, admitir e corrigir essas falhas, todos os dias, constitui a essência da formação do caráter e de uma vida satisfatória.
A decepção dos outros está quase sempre enraizada na decepção de nós mesmos.
De algum modo, estar sozinho com Deus não parece ser tão embaraçoso quanto enfrentar uma outra pessoa. Até que resolvamos sentar e falar em voz alta a respeito daquilo que há tanto tempo temos escondido, nossa disposição de “limpara a casa” é ainda muito teórica. Quando somos honestos com outra pessoa, isso confirma que temos sido honestos conosco e com Deus.

NA HORA DA VERDADE, SOMOS TODOS IGUAIS
No princípio, passaram-se quatro anos antes que A. A. conseguisse levar à sobriedade permanente uma única mulher alcoólica. Assim como aquelas pessoas que tiveram um fundo de poço “muito alto”, as mulheres diziam que eram diferentes; elas não precisavam de A. A. Mas, com o aperfeiçoamento da comunicação, principalmente pelas próprias mulheres, a situação mudou.
Esse processo de identificação e transmissão tem continuado. Aqueles que viviam na sarjeta diziam que eram diferentes. Ainda com mais ênfase, o membro da alta sociedade (ou o bêbado das altas rodas) dizia a mesma coisa, como também diziam os artistas e os profissionais, os ricos e os pobres, os religiosos, os agnósticos, os índios e os esquimós, os veteranos e os prisioneiros.
Mas hoje todas essas pessoas, e muitas outras, falam sobriamente do quanto todos nós, alcoólicos, somos iguais na hora da verdade.

VIVA SERENAMENTE
Quando um bêbado está com uma terrível ressaca porque bebeu em excesso ontem, ele não pode viver bem hoje. Mas existe um outro tipo de ressaca que todos experimentamos, bebendo ou não. Essa é emocional, resultado direto do acúmulo de emoções negativas de ontem e, às vezes, de hoje – raiva, medo, ciúme e outras semelhantes.
Se queremos viver serenamente hoje e amanhã, sem dúvida precisamos eliminar essas ressacas. Isso não quer dizer que precisamos perambular morbidamente pelo passado. Requer, isso sim, uma admissão e correção dos erros cometidos – agora.

CRESCIMENTO PELO DÉCIMO PASSO
Naturalmente, no decorrer dos próximos anos, cometeremos erros. A experiência nos tem ensinado que não precisamos ter medo de cometê-los, desde que mantenhamos a disposição para confessar nossas faltas e corrigi-las prontamente. Nosso crescimento como indivíduos tem dependido desse saudável processo de ensaio e erro. Assim crescerá nossa Irmandade.
Devemos sempre nos lembrar de que qualquer sociedade de homens e mulheres que não podem corrigir livremente suas próprias faltas, inevitavelmente chega à decadência e até mesmo ao colapso. Esse é o castigo universal por não continuar fazendo seu inventário moral e atuar de acordo com ele, do mesmo modo nossa sociedade como um todo deve fazer, se quisermos sobreviver e prestar serviço de maneira proveitosa e satisfatória.

NÃO PODEMOS VIVER SOZINHOS
Todos os Doze Passos de A. A. nos pedem para irmos contra nossos desejos naturais; todos eles reduzem nosso ego. Quando se trata da redução do ego, poucos Passos são mais duros de aceitar do que o Quinto Passo. Dificilmente qualquer um deles é mais necessário à sobriedade prolongada e à paz de espírito.
A experiência de A. A. nos ensinou que não podemos viver sozinhos e com os problemas que nos pressionam e com os defeitos de caráter que os causam ou agravam. Se passarmos o holofote do Quarto Passo sobre nossas vidas, e se ele mostrar, para nosso alívio, aquelas experiências que preferimos não lembrar, então se torna mais urgente do que nunca desistirmos de viver sozinhos com aqueles atormentadores fantasmas do passado. Temos que falar deles para alguém.
Não podemos depender totalmente dos amigos para resolver todas as nossas dificuldades. Um bom conselheiro nunca pensará em tudo, por nós. Ele sabe que a escolha final deve ser nossa. Entretanto, ele pode ajudar a eliminar o medo, oportunismo e a ilusão, tornando-nos capazes de fazer escolhas afetuosas, prudente e honestas.

FORÇA DE VONTADE E ESCOLHA
“Nós, AAs, sabemos que é inútil tentar destruir a obsessão de beber só pela força de vontade. Entretanto, sabemos que é preciso uma grande vontade para adotar os Doze Passos de A. A. como um modo de vida que pode nos devolver a sanidade.
Qualquer que seja a gravidade da obsessão pelo álcool, felizmente descobrimos que ainda podem ser feitas outras escolhas vitais. Por exemplo, podemos admitir que somos impotentes pessoalmente perante o álcool; que a dependência de um ‘Poder Superior’ é uma necessidade, mesmo que esta seja simplesmente uma dependência de um grupo de A. A. Então podemos preferir tentar uma vida de honestidade e humildade, fazendo um serviço desinteressado para nossos companheiros e para ‘Deus como nós O concebemos’.
Conforme continuamos fazendo essas escolhas e assim indo em busca dessas altas aspirações, nossa sanidade volta e desaparece a compulsão para beber”.

CONVERSAS QUE CURAM
Quando pedimos orientação a um amigo em A. A., não devemos hesitar em lembrá-lo de nossa necessidade de completo sigilo. A comunicação íntima normalmente é tão livre e fácil entre nós que um AA pode às vezes esquecer-se de guardar segredo. Nunca deveríamos violar o santo refúgio protetor desta que é a mais curativa de todas as relações humana.
Essas comunicações privilegiadas têm vantagens incalculáveis. Encontramos nelas a perfeita oportunidade de sermos totalmente honestos. Não precisamos nos preocupar com a possibilidade de prejudicar outras pessoas e nem precisamos temer o ridículo ou a condenação. E também temos a melhor oportunidade possível para identificarmos o auto-engano.

EXAMINANDO O PASSADO
Deveríamos fazer um preciso e exaustivo exame de como nossa vida passada afetou outras pessoas. Em muitos casos descobrimos que, embora o dano causado aos outros não tenha sido grande, o dano emocional que causamos a nós mesmos o foi.
Além do mais, os conflitos emocionais danosos permanecem muito profundos, abaixo do nível da consciência, às vezes quase esquecidos. Portanto, deveríamos tentar relembrar e rever bem estes acontecimentos passados que deram origem a esses conflitos e continuam causando violentos desequilíbrios emocionais, perturbando dessa forma nossa personalidade e mudando nossa vida para pior.
Reagimos mais fortemente às frustrações do que as pessoas normais. Revivendo esses episódios e discutindo-os em estreita confiança com outra pessoa, podemos reduzir seu tamanho e portanto seu poder inconsciente.

“ADMITIMOS PERANTE DEUS”
Desde que você não esconda nada, ao fazer o Quinto Passo, sua sensação de alívio aumentará de minuto a minuto. As emoções reprimidas durante anos saem de seu confinamento e, milagrosamente, desaparecem à medida que são reveladas. Com a diminuição da dor, uma tranqüilidade restauradora toma seu lugar. E quando a humildade e a serenidade estiverem assim combinadas, pode acontecer algo de grande significação para nós.
Muitos Aas, anteriormente agnósticos ou ateus, nos dizem que foi nessa fase do Quinto Passo que de fato sentiram, pela primeira vez, a presença de Deus. E mesmo aqueles que já tinham fé, muitas vezes tomaram consciência de Deus como nunca antes.

VITÓRIA NA DERROTA
Convencido de que nunca conseguiria fazer parte e jurando nunca me conformar com o segundo lugar, eu sentia que simplesmente tinha que vencer em tudo que quisesse fazer, fosse trabalho ou divertimento. Como essa atraente fórmula de bem viver começou a dar resultado, de acordo com a idéia que eu então fazia do que fosse sucesso, fiquei delirantemente feliz.
Mas quando acontecia de um empreendimento falhar, eu me enchia de ressentimento e depressão que só podiam ser curados com o próximo triunfo. Portanto, muito cedo comecei a avaliar tudo em termos de vitória ou derrota – “tudo ou nada”. A única satisfação que eu conhecia era vencer.
Somente através da derrota é que somos capazes de dar os primeiros passos em direção à libertação e à força. Nossa admissão de impotência pessoal finalmente vem a ser o leito de rocha firme sobre o qual podem ser construídas vidas felizes e significativas.

GUIA PARA UM CAMINHO MELHOR
Quase nenhum de nós gostou da idéia do auto-exame, da redução do orgulho e da confissão das imperfeições que os Passos requerem. Mas vimos que o programa realmente funcionava para os outros e viemos a acreditar na desesperança da vida tal como a estávamos vivendo.
Portanto, quando fomos abordados por aquelas pessoas que tinham resolvido o problema, só nos restou apanhar o simples conjunto de instrumentos espirituais que puseram ao nosso alcance.
Nas Tradições de A. A. está implícita a confissão de que nossa Irmandade tem suas falhas. Confessamos que temos defeitos de caráter, como a sociedade, e que esses defeitos nos ameaçam continuamente. Nossas Tradições são um guia para melhores formas de trabalhar e de viver, e representam para a sobrevivência e harmonia do grupo o que os Doze Passos de A. A. representam para a sobriedade e paz de espírito de cada membro.

UM PRINCÍPIO SALVADOR
Essa prática de admitir os próprios defeitos a uma outra pessoa é, sem dúvida, muito antiga. Foi validada em todas os séculos, e caracteriza a vida de todas as pessoas espiritualmente centradas e verdadeiramente religiosas.
Mas hoje a religião não é nem de longe a única defensora desse princípio salvador. Os psiquiatras e psicólogos apontam a grande necessidade que todo ser humano tem de desenvolver percepção e conhecimento práticos de suas próprias falhas de personalidade e de discuti-las com uma pessoa compreensiva e digna de confiança.
No que se refere aos alcoólicos, A. A. vai ainda mais longe. A maioria de nós declararia que sem a corajosa admissão de nossos defeitos para um outro ser humano, não poderíamos nos manter sóbrios. Até que estejamos dispostos a tentar isso, parece evidente que a graça de Deus não nos tocará para expulsar nossas obsessões destrutivas.

NUNCA O MESMO OUTRA VEZ
Descobrimos que quando um alcoólico plantava na mente de outro a idéia de verdadeira natureza de sua doença, este jamais voltaria a ser o mesmo. Após cada bebedeira, ele diria a si mesmo: “Talvez esses Aas tenham razão”. Depois de algumas experiências assim, e muitas vezes antes do começar a ter grandes dificuldades, ele voltaria a nós, convencido.
Nos primeiros anos, aqueles dentre nós que ficaram sóbrios em A. A., eram na verdade casos horríveis e completamente sem esperança. Mas depois começamos a ter sucesso com alcoólicos moderados, e mesmo com alguns alcoólicos em potencial. Começaram a aparecer pessoas mais jovens. Chegavam muitas pessoas que ainda tinham trabalho, lar, saúde e posição social.
Naturalmente foi necessário que esses recém-chegados chegassem emocionalmente ao fundo do poço, mas eles não tiveram que chegar a todos os tipos de fundo de poço possíveis para admitir que estavam derrotados.
COMPLETA A LIMPEZA DA CASA
Muitas vezes, os recém-chegados procuram guardar para si mesmos os fatos desagradáveis referentes às suas vidas. Tentando evitar a experiência humilhante do Quinto Passo, eles tentaram métodos mais fáceis. Quase sem exceção se embriagaram… Tendo preservado no resto do programa, perguntavam-se por que tinham recaído.
Acho que a razão é que eles nunca completaram a limpeza de sua casa. Fizeram seu inventário, mas continuaram agarrados a alguns de seus piores defeitos. Eles somente pensaram que tinham perdido seu egoísmo e medo. Somente pensaram que tinham se humilhado. Mas não tinham aprendido o suficiente sobre humildade, coragem e honestidade. Até que contaram a outra pessoa toda a sua vida.

O COMEÇO DA VERDADEIRA AFINIDADE
Quando chegamos em A. A. e pela primeira vez na vida nos encontramos entre pessoas que pareciam nos compreender, a sensação de pertencer foi muito emocionante. Achamos que o problema de isolamento tinha sido resolvido.
Mas logo descobrimos que, embora não estivéssemos mais sozinhos, no sentido social, ainda sofríamos das antigas angústias do isolamento ansioso. Enquanto não falássemos, com toda franqueza, de nossos conflitos e ouvíssemos mais alguém fazer o mesmo, ainda não fazíamos parte.
O Quinto Passo foi a resposta. Foi o começo de uma verdadeira afinidade como o homem e com Deus.

O PRIVILÉGIO DE COMUNICAR
Todos devem concordar que nós, Aas, somos pessoas incrivelmente afortunadas. Afortunadas porque sofremos tanto. Afortunadas porque podemos conhecer-nos, compreender-nos e amar-nos uns aos outros tão bem.
Esses atributos e virtudes raramente caem do céu. Na verdade, a maioria de nós sabe muito bem que essas dádivas são raras e que têm sua verdadeira origem em nosso sofrimento comum e em nossa libertação comum, pela graça de Deus.
Assim sendo, somos privilegiados por podermos comunicar-nos uns com os outros numa intensidade e de uma maneira raramente alcançada por nossos amigos não-alcoólicos do mundo que nos cerca.
“Eu costumava me envergonhar de minha situação e não falava sobre isso. Mas hoje confesso francamente que tenho tendência à depressão e isso tem atraído para mim outras pessoas com a mesma tendência. Trabalhar com eles tem me ajudado bastante”.

“DESTEMIDO E MINUCIOSO”
Minha auto análise tem sido frequentemente falha. Às vezes tenho deixado de compartilhar meus defeitos com as pessoas certas; outras vezes tenho confessado os defeitos delas, em lugar dos meus, e ainda outras vezes, minha confissão dos defeitos tem sido mais de queixas, em alta voz, acerca de minhas circunstâncias e meus problemas.
Quando A. A. sugere um destemido inventário moral, isso deve parecer a todo recém-chegado que lhe estamos pedindo mais do que ele é capaz de fazer. Cada vez que ele tenta olhar para dentro de si, o orgulho diz: “Você não precisa percorrer esse caminho…” e o medo diz: “Não se atreva a olhar!”
Mas o orgulho e o medo desse tipo não passam de bichos-papões. Uma vez que façamos inventário com toda a boa vontade e nos esforcemos para fazê-lo minuciosamente, uma luz maravilhosa invade essa cena nebulosa. À medida que persistimos, nasce um tipo de confiança totalmente novo, e a sensação de alívio com a qual finalmente nos deparamos é incrível.

QUANDO OS CONFLITOS AUMENTAM
Algumas vezes eu seria forçado a examinar situações onde estava agindo mal. No mesmo instante, eu começaria freneticamente a procurar desculpas.
“Essas”, eu exclamaria, “são realmente faltas de um homem de bem”. Quando essa frase favorita fosse destruída, eu pensaria: “Bem se aquelas pessoas me tratassem sempre bem, eu não teria que me comportar da maneira que me comporto”. A desculpa seguinte seria esta: “Deus sabe muito bem que tenho terríveis compulsões. Simplesmente não posso vencê-las, só mesmo Ele vai ter que me tirar dessa”. Finalmente chegava o momento em que eu exclamaria: “Isso eu positivamente não farei! Nem mesmo tentarei”.
Claro que meus conflitos foram aumentando, porque eu estava completamente carregado de desculpas, recusas e revolta.
Numa auto-avaliação, o que nos vem à mente, quando estamos sozinhos, pode ser distorcido por nossa própria racionalização. A vantagem de falar com uma outra pessoa é que podemos obter, diretamente, seus comentários e conselhos a respeito de nossa situação.

DESDE A RAIZ PRINCIPAL
O princípio de que não encontraremos qualquer força duradora, sem que antes admitimos a derrota total é a raiz principal da qual germinou e floresceu nossa sociedade toda.
É dito a todo recém-chegado,e logo ele percebe por si mesmo, que sua humilde admissão de impotência perante o álcool constitui o primeiro passo em direção à libertação de seu jugo embriagador.
Assim, pela primeira vez, vemos a humildade como uma necessidade. Mas isso é apenas o começo. Afastar completamente nossa aversão à idéia de ser humildes, obter uma visão da humildade como o caminho que leva à verdadeira liberdade do espírito humano, trabalhar para a conquista da humildade como algo desejável por si mesmo, são coisas que demoram muito, muito tempo para a maioria de nós. Uma vida inteira dedicada ao egocentrismo não pode ser mudada de repente.

CONTANDO O PIOR
Embora fossem muitas as variações, meu principal tema era sempre: “Como sou terrível!” Do mesmo modo como muitas vezes, por orgulho, exagerava minhas mais modestas qualidades, também exagerava meus defeitos através do sentimento de culpa. Em todos os lugares, eu vivia confessando tudo (e mais um pouco) a quem quisesse me ouvir. Acreditem ou não, eu achava que essa ampla exposição de meus erros era uma grande humildade de minha parte e considerava isso um consolo e um grande bem espiritual.
Porém, mais tarde, percebi profundamente que na verdade não tinha me arrependido dos danos que causei aos outros. Esses episódios eram apenas a base para contar histórias e fazer exibicionismo. Junto com essa compreensão, veio o começo de um certo grau de humildade.

ALTO E BAIXO
Quando nossa Irmandade era pequena, lidávamos somente com “casos desesperados”. Muitos alcoólicos menos desesperados tentavam A. A., mas não eram bem-sucedidos porque não podiam admitir sua desesperança.
Nos anos seguintes isso mudou. Os alcoólicos que ainda tinham saúde, família, trabalho e até dois carros na garagem, começaram a reconhecer seu alcoolismo. À medida que essa tendência crescia, jovens que mal passavam de alcoólicos em potencial passaram a juntar-se a eles. Como poderiam pessoas como essas aceitar o Primeiro Passo?
Recordando nossas próprias histórias de bebida, mostrávamos a eles que anos antes de reconhecê-lo, já havíamos perdido o controle, que mesmo naquela época nossa maneira de beber já não era mero hábito, que era na verdade o começo de uma progressão fatal.

PERDÃO
Através do Quinto Passo, que é de vital importância, começamos a ter a sensação de que poderíamos ser perdoados, fosse o que fosse que tivéssemos pensando ou feito.
Muitas vezes, ao trabalhar nesse Passo com nossos padrinhos ou conselheiros espirituais, pela primeira vez nos sentimos verdadeiramente capazes de perdoar os outros, não importando quão profundamente sentíssemos que eles tivessem nos ofendido.
Nosso inventário moral nos tinha convencido de que todo perdão era desejável, mas foi somente quando fizemos resolutamente o Quinto Passo que soubemos no íntimo que éramos capazes, tanto de aceitar o perdão como também de perdoar.
(Fonte: Na Opinião do Bill – paginas: 17-24-48-65-83-88-102-111-126-135-149-164-209-213-228-231-261-289-305-311-314-318)

ACEITAÇÃO
“Na Opinião do Bill”

TUDO OU NADA
A aceitação e a fé são capazes de produzir cem por cento de sobriedade. De fato, elas geralmente conseguem; e assim deve ser, caso contrário, não podemos viver. Mas a partir do momento em que transferimos essas atitudes para nossos problemas emocionais, descobrimos que só é possível obter resultados relativos. Ninguém pode, por exemplo, livrar-se completamente do medo, da raiva e do orgulho. Consequentemente, nesta vida não atingiremos uma total humildade nem amor. Assim, vamos ter que nos conformar, com referência à maioria de nossos problemas, pois um progresso muito gradual, às vezes é interrompido por grandes retrocessos. Nossa antiga atitude de “tudo ou nada” terá que ser abandonada.

LUZ PROVENIENTE DE UMA ORAÇÃO
Concedei-nos, Senhor, a Serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar. Coragem para modificar aquelas que podemos, e Sabedoria para distinguir umas das outras.
Guardamos como um tesouro nossa “Oração da serenidade”, porque ela nos traz uma nova luz que pode dissipar nosso velho e quase fatal hábito de enganar a nós mesmos.
No esplendor dessa oração, vemos que a derrota, quando bem aceita, não significa desastre. Sabemos agora que não temos que fugir, nem deveríamos outra vez tentar vencer a adversidade por meio de um outro poderoso impulso arrasador, que só pode nos trazer problemas difíceis de serem resolvidos.

LIVRANDO-SE DE UMA “BEBEDEIRA SECA”
“Às vezes nós ficamos deprimidos. Disso sei muito bem; eu mesmo fui um campeão das bebedeiras secas. Enquanto as causas superficiais constituíam uma parte do quadrado; acontecimentos que precipitavam a depressão; estou consciente de que as causas fundamentais eram muito mais profundas.
“Intelectualmente, eu poderia aceitar minha situação, mas emocionalmente não.
“Para esses problemas, certamente não há respostas adequadas, mas parte da resposta certamente se encontra no esforço constante para praticar todos os Doze Passos de A. A.”

ACEITAÇÃO DIÁRIA
“Grande parte de minha vida foi passada repisando as faltas dos outros. Essa é uma das muitas formas sutis e maldosas da auto-satisfação, que nos permite ficar confortavelmente despreocupados a respeito de nossos próprios defeitos. Inúmeras vezes dissemos: ‘Se não fosse por causa dele (ou dela), como eu seria feliz!”
Nosso primeiro problema é aceitar nossas circunstâncias atuais como são, a nós mesmos como somos, e as pessoas que nos cercam como também são. Isso é adotar uma humildade realista, sem a qual nenhum verdadeiro progresso pode sequer começar. Repetidamente precisaremos voltar a esse pouco lisonjeiro ponto de partida. Esse é um exercício de aceitação que podemos praticar com proveito todos os dias de nossas vidas.
Desde que evitemos arduamente transformar esses reconhecimentos realistas dos fatos da vida em álibis irreais para a prática da apatia ou do terrorismo, eles podem ser a base segura sobre a qual pode ser construída a crescente saúde emocional e, portanto, o progresso espiritual.

A FORÇA NASCENDO DA FRAQUEZA
Se estamos dispostos a parar de beber, não podemos abrigar, de forma nenhuma, a esperança de que um dia seremos imunes ao álcool.
Tal é o paradoxo da recuperação em A. A.: a força nascendo da fraqueza e da derrota completa, a perda de uma vida antiga como condição para encontrar uma nova.

LIBERDADE ATRAVÉS DA ACEITAÇÃO
Admitimos que não podíamos vencer o álcool com os recursos que ainda nos restavam, e assim aceitamos o fato de que só a dependência de um Poder Superior (mesmo que fosse apenas nosso Grupo de A. A.) poderia resolver esse problema até aqui insolúvel. No momento em que fomos capazes de aceitar inteiramente esses fatos, iniciou-se nossa libertação da compulsão alcoólica.
Para a maioria de nós foi preciso grande esforço para aceitar esses dois fatos. Tivemos que abandonar nossa querida filosofia de auto-suficiência. Não o conseguimos apenas com a força de vontade; isso aconteceu como resultado do desenvolvimento da boa vontade para aceitar esses novos fatos da vida.
Não fugimos nem lutamos, mas aceitamos. E então começamos a ser livres.

NENHUM PODER PESSOAL
“ A princípio, o remédio para minhas dificuldades pessoais parecia tão evidente que eu não podia imaginar um alcoólicos recusando a proposta que lhe fosse adequadamente apresentada. Acreditando firmemente que Cristo pode fazer tudo, eu tinha a idéia inconsciente de supor que Ele faria tudo por meu intermédio – quando e da maneira que eu quisesse. Depois de seis longos meses, tive que admitir que ninguém tinha se apoderado do Mestre – nem mesmo eu.
“Isso me levou à boa e saudável conclusão de que havia muitas situações no mundo sobre as quais eu não tinha nenhum poder pessoal – que, se eu estava tão pronto a admitir isso a respeito do álcool, devia admitir também em relação a muitas outras coisas. Tinha que ficar quieto a muitas outras coisas. Tinha que ficar quieto e entender que Ele e não eu, era Deus.”

OBSTÁCULOS EM NOSSO CAMINHO
Vivemos num mundo cheio de inveja. Em grau maior ou menor, todos são contaminados por ela. Deste defeito certamente retiramos uma satisfação deturpada porém definida. Se assim não fosse, porque poderíamos tanto tempo desejando o que não temos, em vez de trabalhar para obtê-lo, ou furiosamente procurando qualidade que nunca teremos, em vez de adaptarmo-nos aos fatos, aceitando-os?
Cada um de nós gostaria de viver em paz consigo mesmo e com seus semelhantes. Gostaríamos de ser assegurados de que a graça de Deus pode fazer por nós aquilo que não podemos.
Temos visto que os defeitos de caráter baseados em desejos imprevidentes a indignos são obstáculos que bloqueiam nosso caminho em direção a esses objetivos. Agora vemos, com clareza, que estivemos fazendo exigências irracionais a nós mesmos, aos outros e a Deus.

DOIS CAMINHOS PARA OS MEMBROS MAIS ANTIGOS
Os fundadores de muitos grupos acabam por dividirem-se em duas categorias, conhecidas na linguagem de A. A. como “velhos mentores” e “velhos resmungões”.
O velho mentor vê sabedoria na decisão do grupo de assumir sua própria direção e não guarda ressentimento ao ver reduzido seu status. Seu julgamento, reforçado por considerável experiência, é saudável: ele está disposto a ficar de lado, aguardando com paciência os acontecimentos.
O velho resmungão está certamente convencido de que o grupo não pode caminhar sem ele. Ele constantemente conspira para reeleger-se e continua sendo consumido pela auto piedade. Quase todos os membros mais antigos de nossa sociedade passaram por isso, em maior ou menor grau. Felizmente, a maior parte deles sobreviveu para se transformar no velho mentor. Estes vêm a ser a verdadeira e duradoura liderança de A. A.

MAIS DO QUE CONFORTO
Quando me sinto deprimido, repito para mim mesmo declarações como estas: “O sofrimento é a pedra de toque do progresso…” “Não tema o mal”… “Isso também vai passar”… “Essa experiência pode se transformar em benefício”.
Esses fragmentos de oração trazem muito mais do que um mero conforto. Eles me mantêm no caminho da aceitação perfeita, dissolvem meus temas obsessivos de culpa, depressão, revolta e orgulho; e às vezes me dão a coragem para mudar as coisas que posso e sabedoria para perceber a diferença.

O APRENDIZADO NÃO TERMINA NUNCA
“Minha experiência, como antigo membro, é em alguns pontos paralela à sua e as de muitos outros. Todos nós descobrimos que chega o momento em que não mais podemos conduzir os negócios funcionais dos grupos, das áreas ou, em meu caso, de A. A. com um todo. Em última análise, só valemos pelo exemplo espiritual que porventura tenhamos dado. Nesta medida tornamo-nos símbolos úteis – e isso é tudo.”
“Tornei-me discípulo do movimento de A. A., ao invés do professor que eu outrora achava que era”.

A OBSESSÃO E A RESPOSTA
A idéia de que de algum modo, algum dia, vai controlar e desfrutar da bebida constitui a grande obsessão de todo bebedor anormal. A persistência dessa ilusão é incrível. Muitos a perseguem até as portas da loucura e da morte.
O alcoolismo, e não o câncer, era minha doença. Mas qual a diferença? O alcoolismo não era também um consumidor do corpo e da mente? O alcoolismo levaria mais tempo para matar, mas o resultado era o mesmo. Então decidi, que se houvesse um grande Médico que pudesse curar a doença do alcoolismo, o melhor que eu poderia fazer era procurá-Lo imediatamente.

SATISFAÇÕES DE UMA VIDA CORRETA
Como é maravilhoso sentir que não precisamos nos distinguir especialmente de nossos companheiros para podermos ser úteis e profundamente felizes. Poucos de nós podemos ser líderes destacados, e nem queremos sê-lo.
O serviço prestado com alegria; as obrigações honestamente cumpridas; os problemas bem aceitos ou resolvidos com a ajuda de Deus; a consciência de que em casa ou no mundo lá fora somos parceiros num esforço comum; o fato de que aos olhos de Deus somos todos importantes; a prova de que o amor dado livremente sempre traz retorno; a certeza de que não estamos mais isolados e sós em prisões construídas por nós mesmos; a segurança de que podemos nos ajustar e pertencer ao esquema de Deus – essas são as satisfações de uma vida correta, que jamais poderiam ser substituídas por qualquer pompa ou cerimônia ou por qualquer quantidade de posses materiais.

REVOLTA OU ACEITAÇÃO
Todos nós passamos por períodos em que somente podemos orar com o maior empenho. Às vezes, vamos ainda mais longe. Somos acometidos por uma revolta tão doentia que simplesmente não conseguimos orar. Quando essas coisas acontecem, não devemos achar que somos tão doentes. Devemos simplesmente voltar à prática da oração, tão logo possamos, fazendo o que sabemos ser bom para nós.
Uma pessoa que persiste na oração encontra-se na posse de grandes dádivas. Quando tem que lidar com situações difíceis, descobre que pode enfrentá-las. Pode aceitar a si mesma e ao mundo que a cerca.
Pode fazer isso porque agora aceita um Deus que é Tudo – e que ama a todos. Quando ela diz: “Pai nosso que estais no céu, santificado seja Teu nome”, ela quer dizer isso profunda e humildemente. Quando em verdadeira meditação e portanto livre dos clamores do mundo, sabe que está nas mãos de Deus, que seu destino final está realmente seguro, aqui e no além, aconteça o que acontecer.
(Fonte: Na Opinião do Bill – paginas: 6-20-30-44-49-109-114-131-138-148-169-194-254-293)

FALANDO SOBRE 0 PRIMEIRO
PRIMEIRO PASSO.

“ADMITIMOS QUE ÉRAMOS IMPOTENTES PERANTE O ÁLCOOL – QUE TÍNHAMOS PERDIDO O DOMÍNIO SOBRE NOSSAS VIDAS”.

Por Emílio M.

(Nota: Sempre que me refiro ao álcool ou alcoolismo refiro-me a todas as drogas psicoativas e adicção)

01. Como entendo o alcoolismo, sua evolução, seu tratamento e o Primeiro Passo de A.A. nesta data. Escrevo por mim e não pela Irmandade. (Enumero os parágrafos para facilitar os debates nos Seminários. Alguns tópicos serão abordados em mais que uma temática por serem pertinentes).

02. O homem começou a embriagar-se antes mesmo de aprender a espremer as uvas, comendo frutas que caiam do pé e azedam com o passar dos dias. A história do antigo Egito relata que 8500 AC o alcoolismo já era uma ameaça para o povo daquele tempo. No Antigo Testamento encontramos informações de ‘pileques’ fenomenais como o de Noé e outros grandes personagens bíblicos.
Nos séculos XVIII e XIX a medicina avançou nos estudos indicando tratar-se de doença. Mas somente no século XX surgiu o reconhecimento oficial de que o alcoolismo é uma doença gravíssima, multifacetária e incurável.
Desde 1935 A.A. está alertando que o alcoolismo é uma doença e como tal deve ser tratado. Em 1949, a Associação Psiquiátrica Norte Americana reconheceu Alcoólicos Anônimos. Em 1956 a Associação Médica Americana admitiu o alcoolismo como doença. Em 1965 a Organização Mundial da Saúde, OMS, pela primeira vez em sua existência recebeu um estudo subscrito por doze cientistas especializados em alcoolismo, de diferentes países do mundo, para que esta avaliasse e estudasse, com o rigor que lhe é peculiar, se o alcoolismo seria ou não doença. Assim, em 1º de janeiro de 1967, com todo o zelo técnico e científico, esta mundialmente acatada e respeitada Organização reconheceu oficialmente o alcoolismo como doença, incluindo-a na Código Internacional De Doenças – CID N.º 08. Permaneceu no CID N.º 09 e atualmente no CID N.º 10.. O CID é o repositório oficial de todas as enfermidades que assolam a humanidade.

03. Com o surgimento do A.A. os estudos sobre o alcoolismo tiveram razoável progresso. Atualmente, na opinião de médicos (alcoologistas), de cientistas e pesquisadores, o alcoolismo é uma doença biológica, primária, progressiva, incurável e fatal, se não detida a tempo. Atinge somente aqueles que nascem com a predisposição para o alcoolismo, ou seja, entre 10 a 15% dos que fazem uso de bebidas alcoólicas, quer destiladas ou fermentadas. E alcoolista, alcoólico ou alcoólatra é o seu portador. Existem outros fatores que contribuem para o desenvolvimento do alcoolismo. Não os abordo aqui, para não alongar o texto. Ademais não é este o propósito desta temática.
Considerada uma doença de natureza complexa, multifacetada, biopsico-neuro-sócio-espiritual. Afeta o alcoólatra: física, psíquica, emocional, neurológica, social e espiritualmente.
Apesar do alcoolismo ser tão antigo quanto a raça humana, ser a terceira doença que mais mata no mundo e estar em primeiro lugar entre o uso de drogas em geral, ainda é muito incompreendida, pois durante milênios foi considerada um problema moral e não uma doença. Na Antigüidade os alcoólatras eram mantidos fora das muralhas das cidades. Junto com ladrões, prostitutas, leprosos e outros considerados degenerados morais. Eis aí as raízes do estigma do alcoolismo com as todas suas nefastas implicações e graves conseqüências.

04. Esta doença impõe sobre suas vítimas uma severa ditadura sem respeitar: raça, credo, nível de inteligência, grau cultural, condição sócio-econômica, sexo e idade. Usando palavras mais simples, digo que ele ataca homens e mulheres, ricos e pobres, letrados e analfabetos; brancos, negros e índios; magros e gordos, altos e baixos, bons e maus, crentes, ateus e agnósticos, freiras e prostitutas, padres, cardeais e canalhas. Enfim, ele vitima seres humanos, desde que dotados da predisposição, aliada a outros fatores, e que usem substâncias alcoólicas de qualquer natureza.

05. Embora existam outros critérios para o diagnóstico, é considerada alcoólatra a pessoa que, ao usar bebidas alcoólicas, sofre conseqüências negativas para si ou para outrem e, apesar disso continua bebendo, não importando com que freqüência bebe e muito menos a quantidade ou qualidade da bebida ingerida. A evolução do alcoolismo varia de pessoa para pessoa, mas ela fica entre 3 a 20 anos, podendo ser infantil ou senil. E cujo diagnóstico nem sempre é fácil.

06. Em 2 de maio de 1974, o Cardeal Seper, Prefeito da Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, através, do prot. N.º 88/74, comunicou ao Cardeal Krol, então presidente da Conferência dos Bispos dos EUA, o seguinte privilégio:
a – Padres que sofram da doença do alcoolismo estão dispensados da Segunda Espécie em Concelebrações, ou seja do vinho.
B – Quando celebram sozinhos, padres alcoólatras podem usar suco de uva sem fermentação. (O latim usa mustum que é justamente suco de uva sem fermentação).

07. Vejo a Igreja Católica Apostólica Romana como uma instituição ainda conservadora. Não obstante teve a louvável, corajosa e sábia iniciativa de dispensar o uso de vinho para padres alcoólatras na celebração Eucarística, um dos mais importantes Sacramentos desta Igreja.
Em seguida, o Vaticano estendeu esse mesmo privilégio aos padres alcoólatras do mundo inteiro. Obviamente, porque reconheceu, admitiu e aceitou o alcoolismo como doença, cuja recuperação consiste em evitar não só o primeiro gole, mas até mesmo a primeira gota de vinho, ainda que, consagrado. (Fogo e pólvora próximos podem explodir).
No transcurso do Concílio Vaticano II, S.S., o Papa João XXIII declarou: “Alcoólicos Anônimos É O Milagre Do Século XX”.

08. O alcoolismo continua sendo um assunto muito controvertido ainda em nossos dias. Comprovando isto examinemos algumas “Falsidades e Realidades” que envolvem essa doença.

09. “Falsidade: O álcool tem o mesmo efeito químico e fisiológico sobre todo aquele que bebe”.

10. “Realidade: O álcool, assim como qualquer outro alimento que ingerimos, afeta pessoas diferentes de maneiras diversas”.

11. “Falsidade: A dependência do álcool muitas vezes é psicológica”.

12. “Realidade: A dependência do álcool é principalmente fisiológica”.

13. “Falsidade: O álcool é uma droga que cria dependência, e qualquer pessoa que beba por tempo suficiente e em grande quantidade se tornará dependente”.

14. “Realidade: O álcool é uma droga seletivamente viciante; cria dependência em apenas uma minoria de seus usuários”. (Entre 10 a 15% dos usuários de álcool).

15. “Falsidade: As pessoas se tornam alcoólatras porque têm problemas psicológicos e emocionais que procuram aliviar através da bebida”.

16. “Realidade: Os alcoólatras têm os mesmos problemas psicológicos e emocionais que todas as demais pessoas. Estes problemas são agravados por sua dependência do álcool”.

17. “Falsidade: Se as pessoas bebessem de maneira responsável, elas não se tornariam alcoólatras”.

18. “Realidade: Muitos bebedores responsáveis tornam-se alcoólatras. Depois, porque é a natureza da moléstia – não a da pessoa – elas começam a beber irresponsavelmente”.

19. “Falsidade: Alguns alcoólatras podem aprender a beber normalmente desde que limitem a quantidade”.

20. “Realidade: Os alcoólatras jamais podem voltar a beber com segurança”.

21. “Realidade: Se o alcoolismo é uma conseqüência de problemas psicológicos, por que existem tantas pessoas com problemas psicológicos que bebem e não se tornam alcoólatras?”

22. “Realidade: Por que existem tantas pessoas sem problemas psicológicos dignos de nota que se tornam alcoólatras?”

23. “Realidade: Por que os alcoólatras que param de beber e subseqüentemente recuperam seu equilíbrio emocional e psicológico reativam a moléstia quando voltam a beber?”

24. Dizer para um alcoólatra: “Tenha força de vontade e não beba”, seria o mesmo que implorar para um epiléptico: “Use a força de vontade e não tenha uma crise agora”. Implorar ao alcoólico por quê você não para de beber? Seria o mesmo que pedir-lhe, para ele parar de respirar. O alcoolismo chega em estágios tão avançados, que o uso da bebida torna-se uma necessidade vital para o doente. Força de vontade, neste caso, é um grande empecilho. Ela só atrapalha. Pois o álcool a anulou. O indispensável é a boa vontade. A força será encontrada num grupo de A.A. Para parar de beber, o alcoólico precisa de ajuda e, quanto antes – melhor.

25. É voz corrente: “O alcoólico é um grande sem vergonha”. Ledo engano. Vejamos este dialogo:
“ Por que você esta bebendo? – perguntou o pequeno príncipe.
Para esquecer – replicou o beberrão.
Esquecer o que? – indagou o pequeno príncipe, que já se sentia triste por ele.
Esquecer que estou envergonhado – confessou o beberrão, baixando a cabeça.
Envergonhado de que? – insistiu o pequeno príncipe, que desejava ajudá-lo.
Envergonhado de beber! – O beberrão parou de falar e fechou-se em silêncio inexpugnável”.
Antoine de Saint-Exupéry (O Pequeno Príncipe).

“Num determinado momento do seu percurso alcoólico, entra numa fase em que o mais forte desejo para deixar de beber é absolutamente inútil. Esta trágica situação surge em quase todos os casos, muito antes sequer de se suspeitar dela.
O fato é que, por razões ainda obscuras, a maior parte dos alcoólicos perdeu a capacidade de escolher quando se trata de beber. O que chamamos de força de vontade torna-se praticamente inexistente. Somos incapazes, em determinadas alturas, de conscientizar com a necessária nitidez a recordação do sofrimento e humilhação de apenas uma semana ou um mês atrás. Ficamos sem defesa perante a primeira bebida.
As conseqüências praticamente inevitáveis que daí resultam ao tomar-se nem que seja um copo de cerveja, não vêm ao espírito para nos deter. Se estes pensamentos ocorrem, eles são nebulosos e facilmente suplantados pela velha idéia já gasta, de que desta vez poderemos comportar-nos como qualquer pessoa. É um completo fracasso do tipo do instinto de defesa que impede uma pessoa de pôr a mão em cima dum fogão quente.
O alcoólico pode querer convencer-se da maneira mais despreocupada: ‘Desta vez não me vou queimar, vão ver!’ Ou talvez nem chegue mesmo a pensar de todo. Quantas vezes nos aconteceu começarmos a beber deste modo despreocupado, para depois do terceiro ou quarto copo, darmos murros no balcão do bar e dizer para nós mesmos: ‘Santo Deus, como é que comecei outra vez?’, para pensar logo de seguida, ‘Ora, hei de parar depois do sexto. ‘Ou então, ‘Para quê, agora já não vale a pena’.
Quando este tipo de raciocínio se implanta de vez numa pessoa com tendências alcoólicas, ela coloca-se com toda a probabilidade numa situação que está para além da ajuda humana e, a não ser que a internem, certamente morre ou enlouquece para sempre. Legiões de alcoólicos no decurso da História confirmaram estes fatos duros e atrozes. Mas haveria ainda outros tantos milhares de casos convincentes que teriam seguido o mesmo caminho, se não fosse pela graça de Deus, porque muitos são os que querem parar de beber e não conseguem”.
Vejamos esta afirmação de Bill: “Eu tinha caminhado continuamente ladeira abaixo, e naquele dia, em 1934, eu estava acamado no andar superior do hospital, sabendo pela primeira vez que estava completamente sem esperança.
Lois estava no andar térreo, e o Dr. Silkworth estava tentando, com suas maneiras gentis, transmitir a ela o que estava acontecendo comigo e que meu caso era sem esperança. ‘Mas Bill tem uma grande força de vontade’, ela disse. ‘Ele tem tentado desesperadamente ficar bom. Doutor, por que ele não pode parar?’
Ele explicou que minha maneira de beber, uma vez que se tornou um hábito, ficou sendo uma obsessão, uma verdadeira loucura que me condenava a beber contra meu desejo.
Nos últimos estágios de nosso alcoolismo ativo, a vontade de resistir já não existe. Portanto, quando admitimos a derrota total e quando nos tornamos inteiramente dispostos a tentar os princípios de A.A., nossa obsessão desaparece e entramos numa nova dimensão – a liberdade sob a vontade de Deus, como nós O concebemos”.

26. Já ouvi, de profissionais despreparados, afirmações absurdas como: “Se descobrirmos quais as frustrações, causas psíquicas, emocionais, ou outras que o levaram à ‘fuga’ para o álcool e, se as resolvermos, ele parará de beber imediatamente”. Para mim isto é pura balela. Felizmente, a medicina conhece, hoje, sobre o alcoolismo muito mais do que apenas algumas décadas atrás. Mas, lamentavelmente, os médicos alcoologistas ainda são em número muito reduzido. Podemos afirmar o mesmo quanto aos outros profissionais afins.
Existem patologias concomitantes, como por exemplo, Distúrbio Afetivo Bipolar, outrora PMD – Psicose Maníaca Depressiva (depressão) ou outras disfunções que, de nada adiantará tratá-las, subestimando-se o alcoolismo. O tratamento deverá ser simultâneo sob pena de sucessivas recaídas. Nestes casos os antipressivos poderão ser indicados, desde que por um psiquiatra e alcoologista, ele sabe lidar muito bem com isto – sem causar outras dependências.
Permito-me transcrever parte de um artigo médico escrito pelo Dr. Richard Hughes e o Dr. Robert Brewin, estudiosos dos efeitos e conseqüências de tranqüilizantes, diz o artigo: “…uma alta percentagem de alcoólatras – alguns têm consciência de seu problema de bebida e procuram ocultá-lo e outros não são sequer capazes de reconhecê-lo – visitam seus médicos para receitas de tranqüilizantes, porque suas queixas espelham os sintomas de ansiedade ou estresse, para o que os benzodizipínicos (calmantes) são indicados. Essas queixas – nervosismo, ansiedade, insônia e assim por diante – soam para certos médicos como um caso clássico de ansiedade, quando são, na verdade, um reflexo dos estágios iniciais do alcoolismo. Os médicos agem com muita rapidez em alcançar o receituário quando ouvem tais queixas”.

27. Ainda existem muitos preconceitos sobre o alcoolismo, assim seria prudente refletir a afirmação do Dr. Tryon Edwards, disse ele: “Aquele que é possuído por um preconceito é, possuído por um demônio, e uma das piores espécies de demônio, porque ele impede a entrada à verdade e amiúde conduz a um erro penoso”.

28. Sábio seria fazer o que disse Henry David Thoreau: “Nunca É Tarde Demais Para Abandonar Seus Preconceitos”.

29. Um alcoólatra é tão insano que chega a trocar tudo por um copo de bebida: Pais, irmãos, namorada ou esposa, filhos, dinheiro, emprego, casa, automóvel, comida, amigos, conforto, saúde, religião, sua dignidade e a própria vida.

30. O alcoólatra é um enfermo que adoece a família toda. É a doença da desagregação familiar é um vendaval, um furacão, um tornado ou um terremoto sobre as vidas alheias também. Principalmente, sobre os familiares, aqueles que ele mais ama; sobre os amigos, e sobre todos aqueles que com ele convivem. Razão pela qual os familiares deveriam, também, submeter-se a tratamento ou no mínimo participar do Al – Anon ou Alateen. Não existem culpados para o alcoolismo. Lembremo-nos dos 3 Cs.: Você não Causou, logo, não pode Curar, assim, não pode Culpar-se, mas aceitar e partir para a luta. “Um Dia De Cada Vez!”

31. A seguinte estória ilustra bem esta verdade. Um magnata texano promoveu uma grande festa com esta proposta aos convidados:
“Ofereço para quem tiver a coragem de atravessar esta piscina, 10 milhões de dólares, minha melhor fazenda ou minha filha em casamento.
Só que a piscina está infestada por tubarões assassinos, escorpiões subaquáticos e piranhas tão vorazes capazes de arrancar um braço apenas pela sua sombra projetada sobre a água. Alguém daqui deseja arriscar-se? ”
O silêncio fui quebrado por um jovem que desesperado nadava em direção à borda da piscina e dela pulou fora com a maior rapidez possível.
O texano disse ao jovem: – “Você é a pessoa mais corajosa que já conheci. Queres os 10 milhões de dólares?” Ofegante, respondeu: – “Não, não quero os 10 milhões de dólares”.
“Então quer a minha melhor fazenda?” – “Não, também, não”. – “Ah, você é muito mais esperto, quer casar-se com milha filha e herdar tudo?” – “Não, não mesmo de forma nenhuma”.
“Mas, o que quer você então meu jovem?” Resposta: – “Eu só quero saber qual foi o filho da “fruta” que me empurrou para dentro desta piscina”.
Moral da história: Não percamos tempo procurando culpados. Eles não existem. Pulemos fora da mortífera piscina do alcoolismo, hoje mesmo! Amanhã pode ser tarde demais!

TRATAMENTO:

32. Impossível, nesta breve temática, enfocar todas as abordagens terapêuticas. Até porque este não é o objetivo da mesma, de sorte que citarei o mínimo, apenas, o indispensável.

33. Sendo uma doença peculiar e gravíssima, conforme o estágio da mesma, deve-se procurar um Centro ou Clínica de reconhecida seriedade e que disponha de uma competente equipe multidisciplinar, porque multifacetária é a enfermidade. Alcoolismo é assunto para médico especializado em alcoolismo, alcoologista, coadjuvados por profissionais afins com especialização mas, não para amadores, e acima de tudo para Alcoólicos Anônimos.

34. O internamento visa desintoxicação física, avaliação e tratamento de todas as seqüelas emocionais, espirituais, psíquicas, nutricionais, sociais, neurológicas e mentais. Repor sais minerais, vitaminas e hidratação. Prevenir crises convulsivas, delirium tremens (DT), coma ou a própria morte. Início de orientação e conscientização sobre a gravidade da doença e encaminhamento para Alcoólicos Anônimos.

35. Aquele que pode internar-se é um privilegiado. Os benefícios serão maiores. Nesta internação visa-se, além dos cuidados já citados, desmontar os mecanismos de defesa tais como: negação (não assume a doença); projeção (atribui a doença a fatores externos ou a outras pessoas); racionalização (inventa desculpas para beber, as mais estapafúrdias); maximização (aumenta os problemas do dia à dia), minimização (alega que o beber o prejudica, mas nem tanto e que afinal bebe “só um pouquinho”); Isso não é tarefa fácil. Esses mecanismos se desenvolveram tão gradativativamente tal qual o alcoolismo e, se por um lado visam, ainda que ilusoriamente, preservar a auto-estima do doente, por outro lado, se transformam nas mais graves barreiras para a recuperação. Depois deste tratamento a caminhada em A.A. torna-se mais fácil e suave.
(Conheço muitos companheiros que alcançam a sobriedade, apenas freqüentando reuniões de A.A.. Mas, repito, existem casos que a intervenção e o atendimento profissional é premente. Nos primórdios de A.A. os alcoólicos, antes de ingressarem na Irmandade, eram internados. Basta ler o livro “O Dr. Bob E Os Bons Veteranos” para constatar).

36. O alcoólatra vive uma realidade exclusivista. Só dele, pessoal, mas sinceramente iludido. Ele tem sentimentos como: Raiva, medo, culpa, insegurança, tristeza, depressão, etc. Porém, expressa sentimentos opostos como: Amor, coragem, razão, segurança, alegria, euforia, etc. Arroga-se rico, embora falido; amicíssimo das mais graduadas figuras do mundo das artes, das ciências, da política, embora nem as conheça. É polivalente para resolver os problemas do universo, mas inteiramente impotente para resolver os seus próprios; especialmente, o alcoolismo, seu maior calvário. Esta longa vivência ilusória cria-lhe uma máscara encalacrada que o leva a usar de todas as manipulações e desculpas possíveis para que ninguém o desmascare. Isso é fruto da doença e não de canalhice. Para arrancar-lhe esta ‘máscara’ somente com muita habilidade, compreensão, paciência, tolerância e amor de profissionais especializados e companheiros de A.A. com uma certa caminhada.
O alcoolismo está cercada de paradoxos. Vejamos como um alcoólico, do Grupo On-line AA-Sobridade, o descreveu:
“Bebemos buscando a felicidade e encontramos a dor.
Bebemos para ser sociáveis e tornamo-nos briguentos.
Bebemos para ganhar amigos e fizemos inimizades.
Bebemos para libertar-nos e fomos escravizados.
Bebemos para saudar a vida e convidamos à morte”.
“Para a maioria das pessoas normais a bebida significa a libertação da preocupação, do aborrecimento e da ansiedade. É a intimidade alegre com os amigos e um sentimento de que a vida é boa. Mas não foi o que aconteceu conosco, nos últimos tempos”.

37. “Hoje em dia a grande maioria dos alcoólicos acolhe bem qualquer nova luz que possa ser lançada sobre a misteriosa e complexa doença do alcoolismo. Acolhemos bem novos e valiosos conhecimentos, quer provenham de um tubo de ensaio, do divã do psiquiatra ou de estudos sociais. Apreciamos com satisfação toda espécie de educação que informe o público acuradamente e modifique sua opinião a respeito do bêbado.
Cada vez mais consideramos todos aqueles que trabalham no campo do alcoolismo, como nossos companheiros na marcha da escuridão para a luz. Vemos que juntos podemos obter o que nunca poderíamos alcançar em separado ou com rivalidade”.

38. Meu padrinho, companheiro, especial e dileto amigo, de longa e profícua caminhada, o Pe. Guilherme T., diz: “O alcoolismo é a doença da cegueira, impede o alcoólatra de ver-se como doente”.

39. “Cada alma é digna de ser salva; mas …, se tiver que ser feita a escolha, os bêbados são a última classe a se tratar …”.
“Sabemos que enquanto o alcoólico se mantém afastado da bebida, ele geralmente reage do mesmo modo que as outras pessoas. Estamos igualmente convictos de que, quando ele ingere álcool, alguma coisa acontece, tanto no sentido físico como no mental, impedindo-o virtualmente de parar. A experiência de qualquer alcoólico confirmará isso plenamente.
Seriam desnecessárias e acadêmicas essas observações, se o indivíduo nunca tomasse o primeiro gole, pois este é o que põe em movimento o terrível círculo vicioso. De maneira que o problema principal do alcoólico se centraliza em sua mente, mais do que em seu corpo”.

40. Em A.A. se diz: É preferível abordar o alcoólatra quando este pedir ajuda. Concordo em parte com isso. Todavia, existem casos, cujo enfermo já perdeu, pela própria natureza da doença, a capacidade de discernimento. Então, é chegada a hora de uma intervenção habilidosamente conduzida. Esta abordagem deveria ser feita, de preferência, por um membro de A.A.
Realmente, a grande e intransferível missão de abordar, com mais probabilidade de êxito, um alcoólico cabe a um AA. Vejamos o que diz o Dr. Alberto Morales Tobón, alcoologista e psiquiatra, em seu artigo intitulado – A.A. Instituição Ou Milagre:-“… É simplesmente surpreendente como Deus, em seus inefáveis desígnios, escolheu para levar a cabo no mundo a obra redentora de A.A., precisamente um alcoólatra em seu pior estado de degradação. Porque não escolheu um eminente cientista ou um piedoso clérigo, ou ao próprio Bill W., mas em sua época de insigne corretor da bolsa e cavalheiro de Wall Street? Porque escolheu exatamente a outro bêbado, psiquicamente tão degradado como ele para ser co-autor de tão transcendental empreendimento e porque escolheu como cenário o fundo de uma cozinha? Não teria sido mais apropriado o seio de uma Universidade, o recinto de uma Academia ou o ambiente Sagrado de um Templo? Seria por acaso tão miserável aos olhos de Deus, um homem, somente pelo simples fato de estar bêbado? Ou depreciável uma cozinha por acolhê-los em seu seio? Ou será talvez porque os desígnios de Deus aos nossos olhos são indecifráveis, por que só vemos neles as nossas misérias? O tempo veio demonstrando que muitas vezes, por detrás de um bêbado desprezível, se ocultava a figura grandiosa e nobre de um homem!”
Eu acrescentaria, porque será que quando o amor de coração de mãe, de pai, de esposa ou esposo, de filhos, de amigos, de conselheiros espirituais, médicos todos sinceramente empenhados em ajudar, falha? Mas, quando um alcoólatra fala com outro dá mais certo? Simplesmente por causa da identificação. Cada qual atrai seu igual. Apesar de que nem sempre temos êxito imediato. Neste caso valeu o empenho e a certeza de que a semente foi lançada. Um dia poderá ou não germinar. Isso não depende de mim, mas do Poder Superior. Cabe-me apenas lançar a semente. Se ela germinar não é mérito meu, mas se apodrecer não será culpa minha.
Já ouvi centenas de companheiros dizerem o que eu mesmo disse muitas vezes: “Por que não ingressei em A.A. antes?” Penso que o texto seguinte poderia servir como resposta: “Ecl. 3,1-8. Tudo tem a sua ocasião própria, e há tempo para todo propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derribar, e tempo de edificar; tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de abster-se de abraçar, e tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de deitar fora; tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; tempo de amar…; tempo de guerra, e tempo de paz”.

41. Thomas Fleming, Doutor em Medicina citou: “Duvido que alguma vez um alcoólatra desperte, olhe pela janela e diga: ‘Acho que hoje seria um belo dia para procurar reabilitação. Vou ligar para o médico’. Ele pode não estar vendo a arma, mas algum tipo de pressão, forças externas ou sua saúde motiva-o”.

42. O alcoólatra, com raras exceções, só procura o A.A. depois de sucessivas e frustradas tentativas de parar sozinho. Ou até mesmo depois de inúmeras internações hospitalares não levadas a sério (ou internamentos para “tratar dos nervos”- obviamente em hospitais não especializados), e na busca de ajuda em inúmeras denominações religiosas. Ele passa por muito sufoco e aperto. Ele é como a cana. – “A cana só dá o açúcar depois de passar por grandes apertos”.

43. Meu suplício para parar de beber foi assim: Fiz e paguei muitas promessas. Bebi ‘garrafadas’. Fiz caridade para asilos, orfanatos, creches. Troquei de bebidas. Propunha-me beber menos, só em determinados horários ou apenas nos finais de semana. Freqüentei várias denominações religiosas, orientais e ocidentais. Usei, por conta própria, aversivos (Disulfiram). Submeti-me a tratamentos em ambulatórios, clínicas de repouso, porém não especializadas. Prescreveram-me (Benzodiazipínicos) calmantes com os quais desenvolvi tolerância e dependência. Assim, passei a ser um freqüentador também de farmácias. Fiquei dependente de bares e farmácias. (Criei um novo vocábulo “barmácia”).
Até quando alguém me recomendou uma alcoologista. Ela decidiu pelo internamento, urgente, em clínica especializada. Aceitei na mesma hora. Naquele dia apresentei-me no setor de admissão. No dia seguinte acordei cedo. Quis sair do pavilhão para o pátio interno. Porém, a porta estava trancada à chave. Cabisbaixo conclui que eu não estava num hospital, mas numa cadeia. Avistei um quadro verde e, nele com giz, branco, escrevi: A Prisão Que Liberta.

44. Finalmente, cheguei em A.A. “A liberdade que aprisiona”. Onde alcancei e, progressivamente, consolidei a tão desejada sobriedade e serenidade. “Só um dia de cada vez!” Aprendi que só eu posso parar de beber, mas não posso sozinho. Que “o nunca mais vou beber” é efêmero e que o “só por hoje” é duradouro. É suave, não pesa e funciona. Que só se torna alcoólatra quem pode e não quem quer. Que jamais pedi a Deus para ser alcoólatra, logo não preciso culpar-me e nem envergonhar-me desta doença. Apenas tratar-me com seriedade.

45. Aprendi que o segredo consiste em evitar o primeiro gole. Que para mim é impossível controlar a bebida. Que era a primeira e, não a última dose que me destroçava. Que uma dose era demais e vinte ou mil seriam poucas. Aprendi que deveria evitar todos os derivados do álcool. Aprendi que nos primórdios de A.A., o fundo de poço dos pioneiros era muito maior, mas agora cada qual decide o seu próprio fundo de poço, podendo ser bem mais raso. Consegui entender que: “A adversidade é o microscópio que nos ensina a olhar a vida com mais profundidade”.

46. Aprendi que apenas admitir que sou um alcoólico é insuficiente mas, que preciso aceitar este fato nu e cru, com resignação e sem revolta ou auto-piedade. E, que eu deveria render-me. Aprendi que seria sábio se entendesse, admitisse e aceitasse que o tirano álcool me havia derrotado, roubando-me até o domínio da minha vida. E assim, admitindo está impotência, tornei-me forte. Aceitando esta derrota me senti vitorioso. E quando me rendi fiquei livre.

47. Deus foi misericordioso comigo me fez entender já na primeira reunião, que o A.A. seria minha grande saída, a tábua de salvação. Aprendi com a camaradagem e o amor dos companheiros que era importante eu participar das reuniões, ouvir e compartilhar experiências. Que falasse de mim e não dos outros. Que A.A. não é lugar para discursos e muito menos para autopromoção ou controvérsias. Mas, um lugar para recuperação. Sugeriram-me que procurasse ler, entender e praticar os princípios sugeridos para a recuperação individual e convívio na Irmandade. Que sobriedade, de muito longe é só parar de beber, mas uma reformulação e um novo de vida.

48. Aprendi que, se alguém disser para um canceroso: “Evite comer verduras que ficarás curado”, este jamais as comeria e passaria longe dos gramados e nem passaria em frente a um quartel do Exército Brasileiro só porque lá usam roupa verde – oliva. Se, lhe fosse dito: assista duas reuniões mensais e deterás o avanço do câncer, ele participaria de duas diárias. Enquanto que o alcoólatra põe em dúvida muito daquilo que lhe é dito.
Bill, afirmou: “O alcoolismo, não o câncer, é a nossa doença, mas qual a diferença? o alcoolismo também não é o consumidor do corpo e da mente? O alcoolismo leva mais tempo para matar, mas o resultado é o mesmo”.

49. É deplorável, quando um membro de A.A., levando a mensagem num Centro de Tratamento diz: “Graças a Deus, eu não precisei de internamento”. Isso é um descaso ao residente, ele se sentirá um fraco, um verme e, usará isto como argumento para insistir em sua alta.
Costumo dizer ao residente: Você é um privilegiado por estar internado neste Hospital Veja toda a infra-estrutura e profissionais de várias especialidades, que estão aqui ao seu inteiro dispor. Procure aproveitar o máximo possível este internamento. Acate e procure entender as orientações dos profissionais, dos voluntários e membros de A.A. pois, eles só querem somar forças em seu favor. Se você se empenhar estará fazendo um grande investimento em você próprio. Do contrário, estará perdendo tempo. Quanto mais você aprender sobre a doença melhor lidará com ela. Portanto, siga adiante. Não jogue fora esta chance, seria o mesmo que jogar um bilhete premiado no lixo.
No mundo inteiro, todas as Clínicas e Centros de Tratamento e sérios solicitam o apoio de membros de A.A. para auxiliarem na recuperação de seus pacientes. E, recomendam aos que recebem alta, assiduidade nas reuniões e a prática do Programa como o melhor método para a manutenção de uma sobriedade serena e segura. “Na escola da vida não há férias!”
“Os profissionais que perdem a esperança quanto à recuperação de certos alcoólatras, eles reconhecem que, após uma desintoxicação, estes podem conseguí-la e mantê-la pelo processo espiritual oferecido em A.A.”.

50. Para uma reflexão mais adequada, transcrevo partes do Primeiro Passo: “Quem se dispõe a admitir a derrota completa? Quase ninguém, é claro. Todos os instintos naturais gritam contra a idéia de impotência pessoal. É verdadeiramente terrível admitir que, com o copo na mão, temos convertido nossas mentes numa tal obsessão pelo beber destrutivo, que somente um ato da Providência pode removê-la. Nenhuma outra forma de falência é igual a esta. O álcool, transformado em voraz credor, nos esvazia de toda auto-suficiência e toda vontade de resistir às suas exigências. Uma vez que aceitamos este fato, nu e cru, nossa falência como seres humanos está completa. Porém, ao ingressar em A.A., logo encaramos essa humilhação absoluta de uma maneira bem diferente. Percebemos que somente através da derrota total é que somos capazes de dar os primeiros passos em direção à libertação e ao poder. Nossa admissão de impotência pessoal acaba por tornar-se o leito de rocha firma sobre o qual poderão ser construídas vidas felizes e significativas. Sabemos que pouca coisa de bom advirá a qualquer alcoólicos que se torne membro de A.A. sem aceitar sua devastadora debilidade e todas as suas conseqüências. Até que se humilhe desta forma, sua sobriedade – se a tiver – será precária.
Da felicidade verdadeira, nada conhecerá. Comprovado sem sombra de dúvida por uma longa experiência, este é um dos fatos da vida de A.A. O princípio de que não encontraremos qualquer força duradoura sem que antes admitamos a derrota completa, é a raiz principal da qual germinou e floresceu nossa Irmandade toda.
Inicialmente, ao sermos desafiados a admitir a derrota, a maioria de nós se revoltou. Havíamos nos aproximado de A.A. esperando ser ensinados a ter autoconfiança. Então nos disseram que, no tocante ao álcool, de nada nos serviria a autoconfiança, aliás, era um empecilho total. Nossos padrinhos afirmaram que éramos vítimas de uma obsessão mental tão sutilmente poderosa que nenhum grau de força de vontade a quebraria. Não era possível, disseram, a quebra pessoal desta obsessão pela vontade desamparada. Agravando nosso dilema impiedosamente, nossos padrinhos apontaram nossa crescente sensibilidade ao álcool – chamaram-na de alergia. O tirano álcool empunhava sobre nós uma espada de dois gumes: primeiro éramos dominados, e depois por uma alergia prenunciadora de que acabaríamos nos destruindo. Pouquíssimos mesmo eram os que aflitos desta forma, haviam saído vitoriosos lutando sozinhos. Era um fato estatístico, os alcoólicos quase nunca se recuperavam pelos seus próprios recursos. E assim parece ter sido desde a primeira vez que o homem espremeu as uvas.
Nos primeiros tempos de A.A., somente os alcoólicos, mais desesperados, conseguiram engolir e digerir esta verdade amarga. Mesmo estes “agonizantes” freqüentemente encontravam dificuldades em reconhecer quão poucas esperanças havia. Contudo, alguns o reconheceram, e tendo se agarrado aos princípios de A.A. com o mesmo fervor dos que estão se afogando e se agarram aos salva-vidas, quase que invariavelmente se tornaram sóbrios. É por isso que a primeira edição do Livro Alcoólicos Anônimos, publicado quando éramos poucos membros, tratava somente de casos desesperados. Muitos alcoólicos menos desesperados experimentavam A.A., mas não eram bem sucedidos porque não podiam admitir a sua impotência”.
Bill W., afirmou: “Porque insistir tanto em que todo AA precisa, antes de mais nada, chegar ao fundo do poço? A resposta é que poucas pessoas praticarão sinceramente o programa de A.A. a não ser que tenham atingido o fundo. Pois praticar os restantes onze passos de A.A. requer a adoção de atitudes e ações que quase nenhum alcoólico que ainda esteja bebendo sonharia adotar. Quem se dispõe a ser rigorosamente honesto e tolerante? Quem se dispõe a confessar suas falhas a um outro e a fazer reparação pelos danos causados? Quem se interessa, ao mínimo, por um Poder Superior ou menos ainda por meditação e oração? Quem se dispõe a sacrificar seu tempo e sua energia tentando levar a mensagem de A.A. ao próximo? Não, o alcoólico típico, egoísta ao extremo, pouco se interessa por estas medidas a não ser que tenha de tomá-las para sobreviver”.
E continua ele: “Sob a chicotada do alcoolismo, somos impelidos ao A.A., e ali descobrimos a fatalidade de nossa situação. Nessa hora, e somente nessa hora, é que nos tornamos tão receptivos a sermos convencidos e tão dispostos a escutar como os que se encontram à beira da morte. Prontificamo-nos a fazer qualquer coisa que nos livre da obsessão impiedosa”.

51. Em dado momento o alcoólico poderá indagar: “Como pararei de beber, se já não consigo?” “O que devo fazer?” E nós, ao abordá-lo, lhe responderemos “O que fizemos.” Isso após comentar sobre a gravidade da doença: Incurável, progressiva e fatal, se não detida em tempo. Detalhando que só ele poderá parar mas, não poderá sozinho. Conforme o caso podemos sugerir um internamento em clínica especializada.

52. Amigo, se você procurava uma solução para seu alcoolismo, já encontrou. “Fique E Participe Conosco!”
“Mas se ainda achar que é suficientemente poderoso para ganhar no jogo da vida sozinho, é assunto seu. Porém, se realmente desejar abandonar a bebida de uma vez para sempre, e sinceramente achar que precisa de alguma ajuda, sabemos que temos uma solução para você. Nunca falha, se dedicar ao nosso programa a metade do entusiasmo que você costumava dedicar à procura da próxima bebida. Seu Pai Divino jamais o Decepcionará!”
“Raramente temos visto fracassar uma pessoa que cuidadosamente seguiu nosso caminho. Os que não se recuperaram é porque não podem ou não querem se entregar completamente a este programa simples. Geralmente, homens e mulheres que, pelas suas constituições, são incapazes de serem honestos consigo mesmos. Existem tais desafortunados. Eles não têm culpa; parecem ter nascido assim. São, por natureza, incapazes de desenvolverem um modo de vida que requeira rigorosa honestidade. Suas “chances” são menores que o comum. Existem, também, aqueles que sofrem de graves desequilíbrios emocionais mentais, embora muitos se recuperem por ter a capacidade de serem honestos. …
Frente a algumas, nós recuamos. Pensamos poder encontrar maneira mais fácil. Porém, não podemos. Com toda sinceridade, imploramos que leve a sério o programa desde o início, alguns de nós tentamos apegar-nos às nossas velhas idéias. O resultado foi nulo e nos rendemos completamente.
Lembre-se que estamos tratando do álcool – destro, frustrador, poderoso! Sem ajuda, é demais para nós. Mas existe Um que é todo – poderoso. Esse Um é Deus. Que O encontre agora”.

53. Concluo fazendo minhas, as palavras de um companheiro, muito querido e de saudosa memória, afirmou ele: “Dai porque havendo aprendido isso. A vergonha que tive durante anos a fio de ser um alcoólatra, transformou-se em um desafio. Desafio de quem teve ainda um Poder Superior para abrir-lhe os olhos. E fazer com que por pouco, embora, pudesse lutar contra sua própria doença, que não tem remédio. Apenas, com um segredo tão pequeno que parece grotesco. Não beber hoje! Só hoje! Hoje não! Talvez amanhã. – Quem sabe! Com a satisfação de não ter passado. De saber que as coisas que se foram, foram e não voltam. Com a alegria de ter presente. E sobretudo com a esperança de que o presente de hoje, passado de amanhã seja a alavanca que leva a mim e aos meus companheiros para um dia feliz, para um encontro tranqüilo, em um lugar onde, certamente, o álcool não existirá nem será problema. Aprender afinal, e esquecer. Aprender afinal, a perdoar. Aprender afinal, a entender o estranho fato depois de tanto tempo, quando já começa a chover prata em meus cabelos, que existe uma Irmandade tão impressionante, que é inacreditável por si mesma. Uma Irmandade que não tem presidente, que não tem secretário e que não tem tesoureiro. Uma Irmandade que não tem carteira social, uma Irmandade que não pede dinheiro a ninguém e que não aceita doações. E que apesar disso e, talvez por isso, ligada apenas pela alegria da sobriedade sobrevive hoje em mais de 180 países do mundo. Apenas pela tranqüilidade de só hoje, hoje só e só hoje, mais uma vez não beber.
Como estou agora! Honradamente alcoólatra. Confessadamente alcoólatra. Assumidamente alcoólatra. Na ajuda dos irmãos, dos companheiros. Tentando, junto com aqueles que já estão neste caminho da luta contra o alcoolismo, levar aos que não encontraram esta vereda um pouco de facho para iluminar a saída do fundo do seu poço. Se de um lado lamento que só encontrei o A.A. aos trinta e sete anos de idade, também é verdade que dou glórias por havê-lo encontrado. Poderia não haver acontecido.
E o que falta ainda a mim? Os companheiros, aqui presentes, sabem que o alcoólatra, normalmente, perde tudo. Perde emprego; perde família; perde amigos; perde o respeito por si próprio. E sobretudo perde a esperança na vivência que virá. Então nós todos poderíamos nos louvar em duas colocações. A primeira de autor anônimo que vi escrita, um dia no fundo de uma cela, de um doente também. Escrita a carvão, em uma parede clara. Dizia este escrito o seguinte: ‘Estive doente, doente de tudo, dos olhos, da boca, dos nervos até. Dos olhos que viram mulheres tão lindas, da boca manchada de fumo e café. Estive doente, não posso pensar, eu quero um punhado de estrelas maduras, eu quero a doçura do verbo viver’. E em complemento o que me falta. Na alegria da minha sobriedade que, até este momento, foi mantida. Só por hoje! Que será ontem amanhã. Valeria apenas dizer que falta muito pouco. Na palavra do poeta ainda: ‘Tudo passa dor e riso, venturas em róseo friso, males que em roxo debruam. Passam deuses e criaturas, horas azuis ou horas escuras, nuvens que alto flutuam. Tudo passa, gesto e face mas, a esperança sempre renasce e as rosas continuam’”.

54. “Ninguém poderá desfrutar das coisas sagradas enquanto não estiver limpo.”
Desejo a todos, êxito na recuperação. A cada vinte e quatro horas consolidando a abstinência. Para chegarmos na sobriedade, na serenidade, na alegria e na felicidade, através de A.A.

55. Humildemente, sugiro aos companheiros, estudarem e praticarem a programação de A.A., contida na Literatura que está disponível nos Grupos e nas Centrais pelo preço de reposição.

56. Incluí versículos bíblicos, pertinentes a este Passo, para um maior enriquecimento do tema, porém, sem nenhuma conotação religiosa.

1Tm. 6,3-5. “ … É cego, não entende nada, é doente à procura de discussões e brigas de palavras. É daí que nascem invejas, brigas, blasfêmias, suspeitas, polêmicas intermináveis, …”

I Co. 11,21. “… e assim um fica com fome e outro se embriaga”.

I Sm. 1,14. “E lhe disse: Até quando estarás tu embriagada? Aparta de ti o teu vinho”.

Eclo. 19,2-3. “Operário beberrão nunca ficará rico. Vinhos e mulheres fazem perder o bom senso, …”
Ef. 5,18. “Não se embriaguem com vinho, …”

Gn. 19,32-36. “Vamos embriagar nosso pai para ter relação com ele. … Nessa noite, elas embriagaram o pai e a mais velha deitou-se com ele, que não percebeu nem quando ela se deitou, nem quando se levantou….“Na noite passada eu dormi com meu pai; esta noite, nós o embriagaremos de novo, e você se deitará com ele; … Também nessa noite, elas embriagaram o pai, e a mais nova deitou-se com ele, que não percebeu nem quando ela se deitou, nem quando se levantou. E as duas filhas de Ló ficaram grávidas do próprio pai”.

Gn. 9,20-25. “Noé, bebeu o vinho, embriagou-se e ficou nu dentro da tenda. Cam, o antepassado de Canaã, viu seu pai nu e saiu para contar a seus dois irmãos. Sem e Jafé, porém, tomaram o manto, puseram-no sobre seus próprios ombros e, andando de costas, cobriram a nudez do pai; … Quando Noé acordou da embriaguez, ficou sabendo o que seu filho mais jovem tinha feito. E disse: Maldito seja Canaã. Que ele seja o último dos escravos para seus irmãos’”.

Is.5,11. “Ai dos que se levantam cedo para correrem atrás da bebida forte e continuam…”.

Is.5,22. “Ai dos que são poderosos para beber vinho…”,

Is.19,14. “… bêbedo vai cambaleando no seu vômito”.

Jl..1,5. “Despertai, bêbedos, e chorai; gemei, todos os que bebeis vinho, …”

Jr. 25,16. “Beberão, e cambalearão, e enlouquecerão,”

Pr. 20,1. “O vinho provoca insolência, e o licor causa barulho: quem se embriaga com eles não chega a ser sábio”.

Pr. 23,20. “Não estejas entre os beberrões de vinho,”

Pr. 23,29-35. “Para quem são os gemidos? Para quem os lamentos? Para quem as brigas?…”.

Pr. 31,4-5. “… Não convém aos reis, beber vinho, nem aos governantes gostar de bebidas alcoólicas. Porque eles bebem, acabam se esquecendo da Lei e pervertem o direito dos pobres”.

SL. 107,27. “Balançam e cambaleiam como ébrios, e perdem todo o tino”.

Bibliografia: “Alcoolismo Os Mitos e a Realidade” – R. Milam, James e Ketcham, Katherine. “Alcoolismo o Que Você Precisa Saber” – M. Lazo, Donald. “Repercussões do Álcool e do Alcoolismo”- Soares Vargas, Heber. “O Tratamento do Alcoolismo” Edwards, Griffith. “Coletânea vol. I e II” – F., Aluízio. “Alcoolismo Doença no Mundo do Direito” – Régis Fasbender Teixeira, João. “O Caminho Dos Doze Passos” – Jonh E. Burs. , “Os Doze Passos” – W., BIll. “ Livro Azul Edição Brasileira”- Livro Azul Edição Portuguesa”. “Na Opinião Do Bill, “O Dr. Bob e Bons Veteranos”, “Textos obtidos nos Grupos Online: AA-Sobriedade e AABR”, “O Pequeno Príncipe” – .Antoine de Saint-Exupéry e “Sagradas Escrituras

O Primeiro Passo

Quando somos confrontados com nossa impotência perante agentes externos que dominam nossas vidas, com fatos duros e irreversíveis, com as grandes perdas, nos sentimos sem chão, chocados, desgovernados, na medida em que projetos,expectativas, crenças sobre controle e merecimento são sacudidas, atropeladas…
Ficamos com a impressão que esbarramos numa muralha, que esse é o fim do caminho traçado por nossos sonhos de uma vida significativa e feliz. Tentamos tudo; negamos essa realidade simplesmente não conseguindo enxergá-la.
Depois, buscamos anulá-la barganhando com os outros, com a vida e com Deus; alternamos horror, dor, medo, vergonha, culpa, raiva – até nos esgotarmos perdendo energia, força e saúde; entramos em depressão e, por fim, até nos conformamos (aquela conformação sem aceitação, com mágoa, raiva surda, cheia de inconformação). Ficamos aparentemente paralisados, bloqueados, mas como a vida é dinâmica, na verdade, permanecemos nos movendo num círculo vicioso, aprisionante, até que uma nova perspectiva de saúde e libertação pudesse aparecer.
Com nossa Programação tivemos essa oportunidade. Passos nos foram sugeridos e apontavam uma nova direção; sugeriam novas crenças sobre possibilidades e responsabilidade. Pudemos entender e reconhecer nossa impotência. Não fomos incompetentes quando não pudemos controlar o incontrolável – éramos apenas impotentes! E ao tentarmos durante tanto tempo o impossível, havíamos perdido o controle de nossas vidas!
O Passo 1 é o passo do redirecionamento do nosso olhar, do nosso foco de atenção. É o passo do desengano e da desilusão sobre o poder e controle daquilo ou daqueles que estão fora de nós, Ele nos leva a substituir nossa onipotência e tola arrogância pela humildade de refletir e admitir o que, na realidade, eu posso ou não posso modificar.
O Passo 1 trás também como conseqüência um desligamento respeitoso que preserva nosso espaço e o dos outros. O espaço necessário para podermos exercer nosso verdadeiro poder – sobre nossas vidas. Com a rendição, a submissão à realidade, sobra-nos energia, coragem para modificar o que podemos (nós mesmos) e humildade para buscar ajuda num Poder Superior.
A nós cabe, um dia de cada vez, fazer a opção de por-nos em ação, iniciando com esse Passo a caminhada para uma vida melhor, mais amorosa, real ,mais livre.
E essa é uma incrível e maravilhosa jornada!

PRIMEIRO PASSO
“Admitimos que éramos impotentes perante o álcool – que tínhamos perdido o governo sobre nossas vidas”
“Quem se dispõe a admitir a derrota completa? Quase ninguém, é claro. É verdadeiramente terrível admitir que, com o copo na mão, temos convertido nossas mentes numa tal obsessão pelo beber destrutivo, que somente um ato da Providência poderá removê-la.
Nenhuma outra forma de falência é igual a esta. O álcool, transformado em voraz credor, nos esvazia de toda auto-suficiência e toda vontade de resistir às suas exigências. Uma vez que aceitamos este fato nu e cru, nossa falência como seres humanos está completa.
Porém, ao ingressar em A.A. logo encaramos essa humilhação absoluta de uma maneira bem diferente. Percebemos que somente através da derrota total é que somos capazes de dar os primeiros passos em direção à libertação e ao poder. Nossa admissão de impotência pessoal acaba por tornar-se o leito de rocha firme sobre o qual poderão ser construídas vidas felizes e significativas.
Sabemos que pouca coisa de bom advirá a qualquer alcoólatra que se torne membro do A.a. sem antes aceitar sua devastadora debilidade e todas as suas conseqüências. Até que se humilhe desta forma, sua sobriedade – se a tiver – será precária. Da felicidade verdadeira, nada conhecerá. Comprovado por uma longa experiência, este é um dos fatos da vida de A.A. O princípio de que não encontraremos qualquer força duradoura sem que antes admitamos a derrota completa, é a raiz principal da qual germinou e floresceu nossa sociedade toda.”

Ao chegar em A.A. não foi difícil admitir minha impotência perante o álcool, pois, muito antes de concordar em ir a uma reunião de A.A., eu já havia admitido a minha incapacidade para o beber. Eu não sabia que o alcoolismo era uma doença e muito menos, que a doença estava relacionada com o meu desequilíbrio emocional, o que me levava ao copo.
Ao deparar-me com o Primeiro Passo, que sugere que eu havia perdido o domínio de minha vida, então entendi que meu problema estava resolvido, pois, havia parado de beber e minha vida voltaria ao normal. Só que isso não aconteceu. Eu estava evitando o primeiro gole, freqüentando às reuniões e prestando serviços ao grupo, mas o meu comportamento junto a família e a sociedade como um todo, havia mudado muito pouco. Porque? Esta era a pergunta. Então comecei a observar o programa de recuperação com mais atenção e ao estudar o Primeiro Passo novamente, pude perceber que o meu problema era porque eu pratiquei o Primeiro Passo pela metade – eu havia apenas admitido minha impotência perante o álcool e não a perca do domínio da minha vida. Eu não sabia que a perca do domínio estava ligada aos meus defeitos de caráter, pois, eles eram aflorados quando eu bebia. Certa vez numa discussão sobre o Primeiro Passo, um companheiro disse que em seu entendimento, “o álcool era vítima, tanto quanto o alcoólico, pois, tudo que acontecia com o alcoólico, a culpa era do álcool.” Isso me fez refletir e percebi que às vezes eu agia como se ainda estivesse bebendo e cheguei à conclusão que o motivo era porque eu não tinha feito nada para mudar o meu comportamento e sem perceber, eu agia com total desequilíbrio.
Este desequilíbrio está ligado aos meus defeitos de caráter que são: Orgulho, avareza, inveja, preguiça, luxúria, ira e gula. Esses defeitos me levaram a perca do domínio de minha vida. Portanto, para que eu consiga algum progresso na busca do equilíbrio emocional, é necessário que eu aceite a perca do domínio de minha vida, pois, só assim, praticando o Primeiro Passo na íntegra, eu terei coragem e humildade suficientes para continuar fazendo o programa de recuperação.
Refletindo sobre o desequilíbrio emocional, percebemos que a maioria de nós, alcoólicos, já cometemos e ainda continuamos cometendo desatinos em nossa vida, como por exemplo: Impondo nossas opiniões aos outros; maltratando as pessoas por pura arrogância; agindo com desonestidade diante dos compromissos; fazendo dívidas sem planejamento, para atender os desejos descabidos; tratando as pessoas de acordo com a nossa conveniência; se envolvendo em fofocas; julgando e criticando as pessoas; ficando irado quando o nosso ponto de vista não é aceito; não respeitando o direito dos outros; não admitindo os próprios erros; etc.
Isso tudo acontece porque não aceitamos a perca do domínio de nossa vida. Porém, estando em A.A. temos condições de reverter este quadro com a prática dos Doze Passos.
ALGUNS TÓPICOS PARA REFLEXÃO E DISCUSSÃO
Como estou?
• Estou tratando meus familiares da mesma forma que trato meus companheiros(as) de A.A., dando-lhes a mesma atenção?
• Aceito meus companheiros(as) de A.A. como eles são, ou tento mudá-los?
• Estou conseguindo controlar minha raiva, ou continuo como antes não levando desaforo para casa?
• Sinceramente, estou sendo honesto e responsável com os meus atos, ou tento manipulá-los?
• Continuo querendo que a minha palavra seja a última?
• Tento impor meus conhecimentos aos meus companheiros de A.A.?
• Tenho sido tolerante e tratado meus companheiros como companheiros ou já esqueci que são eles que dão suporte à minha sobriedade?
• Ajudo os companheiros(as) a fazer os serviços do grupo ou apenas critico os que fazem?

“PRIMEIRO PASSO: SUPERAR O ORGULHO”
Eduardo Mascarenhas, Médico-Psicanalista.

Durante 50 anos de experiência na recuperação de alcoólatras, os Alcoólicos Anônimos ganharam a convicção de que só é capaz de se libertar solidamente do álcool quem fizer profunda reformulação de sua personalidade. Para alcançar essa reformulação, cumpre percorrer aquilo que, no programa de recuperação adotado pelos AAs, ficou conhecido como os DOZE PASSOS.
Esses DOZE PASSOS constituem um guia, uma meta ideal. Nenhum A.A. conseguiu atravessá-lo completamente, mas tentar segui-los é uma forma de se esforçar permanentemente por um aperfeiçoamento pessoal.
Com todo respeito pela literatura dos AAs, vou me permitir descrevê-lo com as minhas palavras, tal como eu o entendi.
O PRIMEIRO PASSO é a pessoa superar o orgulho, a vaidade, o narcisismo e reconhecer que já não bebe só quando quer o quanto quer. Não é mais sua mão que procura o copo, mas o copo que a atrai. Ela não tem mais controle sobre o álcool, está dominada por ele.
O primeiro passo é a pessoa se dizer: “ basta de empulhação! Chega de desculpas esfarrapadas! Não posso mais continuar dizendo o dia que eu quiser eu paro de beber. Até paro, mas só por uns dias, um mês, por um ano. Depois volto à bebida com apetite redobrado”.
Por incrível que pareça, dar esse Passo é dificílimo. Primeiro porque é angustiante mesmo admitir que se está perdendo o controle sobre algo que gera tão sérias conseqüências para a vida como um todo. Segundo, porque as pessoas teimam em considerar o alcoolismo não como uma doença, mas como fraqueza de caráter ou falta de força de vontade. Se muita gente já se sente humilhada em ter uma doença que é considerada como falta de vergonha na cara.
Pau d’água, degenerado, cachaceiro, bêbado, porrista e pé-de-cana são expressões que adquiriram colorido insultuoso e que só servem para reforçar o estigma que paira sobre o alcoolismo. É importante acreditar que existe tratamento para o alcoolismo, mas não apenas tratamento químico e impessoal. Às vezes, é mais fácil tomar injeção na veia, entregar o coração para uma Ponte de Safena ou a cabeça para um Valium do que confiar numa pessoa ou num Grupo de pessoas para realizar tratamento que exige certo grau de entrega pessoal.
É que a mentalidade contemporânea ou é crédula a ponto de se entregar ao primeiro santo milagreiro que passe na frente ou é profundamente cientista. Médicos, cirurgiões e neurologistas não são vistos como pessoas, mas como sacerdotes da técnica. Os seres humanos com seus poderes pessoais ficam excluídos tanto pela fé infantil aos milagreiros quanto pela fé igualmente infantil na parafernália dos laboratórios, cheios de tubos de ensaio. O difícil mesmo é ver gente confiando em gente.
A resistência aos Alcoólicos Anônimos passa por aí. Já houve resistências idênticas em relação à psicanálise. Aos trancos e barrancos, a psicanálise conseguiu infiltrar-se na cultura, e hoje é até chique recorrer a um psicanalista. Mas os AAs oferecem ajuda gratuita, suas reuniões não são coordenadas por “doutores”, portanto têm mais cheiro de povo e menos perfume de elites iluminadas. Além disso, o Anonimato de seus membros impossibilita que se tornem célebres, dando entrevistas ao FANTÁSTICO.
Como nossa sociedade é profundamente elitista, tudo isso conta. Às reuniões dos Grupos comparecem pessoas das mais diversas camadas sociais. Ora, quem tem grana não gosta de se “misturar”. Tem medo de que pobreza pegue, e como não sabem o que vão encontrar lá, temem ficar diante de mendigos, cachaceiros e de pés-inchados, entoando músicas evangélicas. As pessoas de classes sociais menos favorecidas também tendem a se intimidar com esse tipo de encontros, pois não estão acostumadas a conviver democraticamente com endinheirados. Mas que vale a pena, isso vale.

A honestidade necessária

Desde muito cedo tive contato com o álcool. Lembro-me vagamente de um dia, devia ter sete ou oito anos de idade, num casamento, ter bebido o resto dos copos de vinho do Porto que se encontravam em cima das mesas e de ter ficado alterado. Essa foi, sem dúvida, a minha primeira experiência. Seguiram-se outras, uma das quais grave, aos dez anos. Estava a brincar em casa de um colega de escola e lembramo-nos, sem mais nem por quê, de assaltar a garrafeira do pai dele. Bebemos de tudo um pouco, pelo gargalo das garrafas e nem faço uma pequena idéia da quantidade que bebemos nem das misturas que fizemos. Cheguei a casa num estado que toda a gente reparou e, para agravar, os meus pais tinham visitas. Nunca imaginaram que eu tivesse bebido mas que estava com outro problema. Claro que o meu pai, assim que se aproximou mais de mim descobriu logo. Levaram-me para o hospital já em coma alcoólico. Depois deste triste episódio, não me lembro de ter continuado a beber até aos 15 anos, quando comecei a trabalhar. Então, bebia regularmente às refeições e, normalmente, embebedava-me aos fins-de-semana quando ia às discotecas. O álcool, desinibia-me junto das miúdas. Era um procedimento normal pois, a maioria dos meus amigos fazia o mesmo e eu não era uma exceção à regra.
Os anos foram passando e aos 17 fui para a tropa. Como tinha de estudar, controlava-me mais, pois não conseguia decorar a matéria se estivesse com os copos, mas já notava que me custava estar sem a bebida. Muitas vezes, dava por mim a pensar no vinho e na cerveja sem motivo aparente. Tinha também a sensação de que o tempo nunca mais passava, para chegar ao fim de semana e poder apanhar uma daquelas “de caixão à cova”, como lhes chamava. Também era da praxe, no meu grupo de amigos, fazer uma pequena celebração depois de qualquer teste – era mais um motivo para bebermos até não poder mais. E assim foram passando os anos.
Entretanto embarquei. O culto do álcool estava mais presente do que nunca e eu, como seu adorador, fazia questão de não ficar de fora. Claro que, com estes comportamentos, começaram a surgir os problemas a nível profissional. Nessa altura, as pessoas que trabalhavam comigo alertavam-me, diziam que assim não podia ser, que eu até era bom rapaz mas, que com a bebida estragava tudo, que a minha função era de muita responsabilidade… Enfim! Coisas a que dava valor na altura mas, passados dois dias, lá estava a repetir as mesmas proezas. Na maior parte das vezes, a minha intenção não era embebedar-me deliberadamente, apenas confraternizar com um amigo ou dois depois do serviço mas, o que é certo, é que quando começava já não conseguia parar. Claro que, no outro dia não me lembrava de grande parte das coisas que tinham acontecido. Sentia culpa, uma angústia enorme e medo de encarar as pessoas. Por vezes, aproximava-me das que me lembrava vagamente de terem estado comigo no dia anterior e pedia-lhes desculpa, envergonhado. Enfim, uma vida triste e de sofrimento. Nessa altura (1988), já tinha a noção do meu problema com a bebida, não sabia era a maneira de o resolver.
Mais tarde casei e nasceram dois filhos desse casamento. Quando bebia, procurava sempre que os meus filhos não presenciassem o pai com os copos; (também sou filho de um pai alcoólico, felizmente em recuperação, já lá vão 17 anos. Sei bem o que sofri e a sensação que tinha ao ouvir a porta da rua a abrir-se quando ele chegava). Para isso, fazia malabarismos do arco-da-velha. Comecei a beber quando estava de serviço, quando navegava, quando ia à pesca, muitas vezes também depois de jantar mas, mesmo assim, muitas das vezes e por muito que me esforçasse, não conseguia evitar que eles vissem. Foi por amor a eles e por já não conseguir viver com o álcool nem sem ele, que falei com a minha irmã e o meu cunhado e lhes contei toda a verdade. Não sei onde descobri ou quem descobriu o sítio das reuniões mas, o que é certo, é que no dia 5 de Julho de 1998, salvo erro num domingo de manhã, estava a entrar pela primeira vez numa sala de Alcoólicos Anônimos. Receberam-me com simpatia e disseram que eu era a pessoa mais importante nessa reunião, situação que me embaraçou um bocado pois queria passar despercebido. Lembro-me de ter dito quem eu era e por que razão ali estava. A sensação imediata que tive, foi de um alívio extremo, a opressão que tinha no peito desaparecera. Talvez por estar a confessar “os meus pecados” e o que tinha de mais íntimo a pessoas que nunca tinha visto na vida. Não sabia se elas iriam contar a alguém quem eu era na realidade. Senti, de fato, que tinha dividido os meus problemas, o que me agradou bastante. Continuei a ir às reuniões e cada vez me identificava mais com as pessoas que lá estavam. O meu cérebro foi descongestionando, 24 horas após 24 horas, e já conseguia rir com vontade. Comecei a olhar para a vida com outros olhos, a minha auto-estima foi aumentando, comecei a ter mais cuidado com a minha aparência e melhorei a atitude para com os outros. Isto, porque comecei a fazer o que os companheiros me sugeriam, a tentar concretizar um passo de cada vez, umas vezes melhor outras pior, mas sempre a tentar. Fui-me mantendo nas reuniões, fazendo algum serviço e tudo corria bem, até à altura em que a minha mulher me fez a proposta de comprar uma pastelaria, o que recusei logo. Expliquei-lhe que tinha medo de lidar com o “veneno” o dia todo, o que era perigoso para mim. Mas a idéia já estava na cabeça dela e nada a demovia do objetivo. E, para que um dia os meus filhos não dissessem que não tinham mais porque o pai não tinha querido evoluir, lá condescendi e o negócio foi para a frente. Claro que isso teve as suas conseqüências. Trabalhava até as 16.30 horas no meu serviço e depois ia para a pastelaria até às 24 horas. Fiquei sem tempo para ir às reuniões e fazer serviço, mas mesmo assim, muitos companheiros de A.A. passavam pela pastelaria para verem como eu estava, para me darem fé, força e esperança e me fazerem um pouco de companhia. Lia muitas vezes a literatura de Alcoólicos Anônimos e não bebia. Entretanto, outra prova de fogo estava para vir – tinha de embarcar novamente! Os fantasmas do passado vieram ao de cima, os petiscos, as festas. Toda uma série de pensamentos obscuros me assaltava constantemente mas, eu estava convicto de que se conseguia lidar com o “veneno” no dia-a-dia, também conseguiria dar-me bem quando chegasse a altura de navegar e, assim foi.
Entretanto, a minha vida deu muitas voltas. Vendi a pastelaria, divorciei-me, mas consegui resolver todos estes problemas e continuar sóbrio. Há três anos, casei novamente. Vida nova, casa nova, carro novo. Foi começar do zero. Estava feliz e sentia amor por alguém, coisa que era muito difícil acontecer no passado. Falava de quase tudo com a minha mulher, nunca discutíamos, ajudava-a no que fosse preciso e era amigo dela mas, havia uma coisa que me atormentava. Nunca lhe tinha dito quem eu era na realidade, que sou alcoólico. Para mim, a minha cabeça doente dizia: “Isso faz parte do passado, agora tens outra vida, outra mulher. O passado está definitivamente enterrado “. Havia porém, situações em que me sentia perturbado. Nos almoços de família, o meu sogro que gosta de beber uns copitos, dizia-me – “Vá, que isto até dá vida aos mortos!” eu ria-me e recusava. Como faço desporto, desculpava-me dizendo que isso era incompatível e lá me safava. Depois, as pessoas iam-se habituando e deixavam de insistir. De vez em quando a minha mulher, no desconhecimento da minha doença, perguntava-me às refeições: Então, não vai uma pinga da boa para acompanhar? Respondia-lhe que se bebesse, me cresciam os dentes e as unhas como aos lobos e a conversa parava por ali. Mas todas estas situações ficavam cá dentro, a serem “cozinhadas” na minha cabeça doente, e eu sem ver!
Um dia, à mesa, a minha mulher tinha um belo vinho para o seu almoço e, sem saber como nem porquê, peguei no copo, levei-o à boca e provei. A sensação nem foi de culpa, por estranho que pareça pois, inconscientemente, eu já me estava a mentalizar que talvez fosse uma pessoa normal (isto, imagine-se, depois de tudo o que li e de tudo por que passei!). Tinha uma companheira nova, iria ser tudo diferente mas enganei-me. Lembro-me de beber os três primeiros copos de seguida, compulsivamente, como se tivesse de recuperar o tempo perdido. Também me lembro de beber whisky e vodka. Já não era eu, era outra pessoa que não eu. Assolava-me a depressão no dia seguinte. Maiores que as dores de cabeça, eram as dores na Alma. Ao fim de quase nove anos de sobriedade, tinha recaído. Todo um trabalho deitado por terra. Os medos novamente, as sensações indescritíveis, uma angústia de apertar o peito. Poder-me-ia ter ficado de emenda, mas não. Repeti-o ainda mais umas dez vezes; urinei sangue e passei por situações vergonhosas até a minha mulher me dizer que, realmente, “me cresciam os dentes e os pelos do corpo, que não era aquela pessoa com quem se tinha casado, que queria o marido dela de volta”. E foi assim, entre lágrimas e grande tristeza que resolvi ser HONESTO com Deus e com ela. Contei-lhe tudo o que até aqui transcrevi. Não foi fácil mas, novamente se acercou de mim a sensação que tinha tido na primeira vez que entrei em Alcoólicos Anônimos, a sensação de paz e de tranqüilidade – partilhei a história da minha vida com companheiros que nunca tinha visto. Por coincidência ou por algo que não sei explicar, nos dias seguintes encontrei dois companheiros de AA que não via já há alguns anos e contei a um deles o que se tinha passado,”que me tinha ido abaixo”. Virou-se para mim e disse-me simplesmente isto – “Nós só temos dois caminhos, a sobriedade ou a morte”. Com toda a certeza, não quero a morte.
Dois dias depois, estava novamente junto dos companheiros de Alcoólicos Anônimos que, mais uma vez, me receberam de braços abertos. Se quero parar de beber e crescer em sobriedade, de certeza que é com eles que consigo pois, SOZINHO NUNCA FUI CAPAZ.

PORTA ABERTA , ENTRE SEM BATER
COMPARTILHANDO OS PASSOS

Força é a capacidade interior de resistir às dificuldades, às perdas, às desilusões e às pressões.
Força é ter coragem de enxergar os erros e assumi-los.
É não guardar ressentimentos, raiva, não ser vingativo.
É quando descobrimos que somos em Deus e não precisamos provar nosso valor aos outros.
As dores físicas, mentais e espirituais têm sobre nós um efeito contrário quando admitimos nossa fraqueza, nossa impotência, nossa perda de domínio ante os efeitos do álcool.
Fazemo-nos fortes quando acreditamos num Poder Superior a nós mesmos. O qual rege nossa existência. “Se Ele nos deu um limão… façamos uma doce limonada…”
De formas diferentes resistimos à fragilidade, buscamos força e procuramos viver. Resistir, negar ou dissimular nossa fraqueza faz parte do jogo da existência.
Infelizmente, o senso comum insiste que pessoas fracas não devem ter espaço. É a lei da natureza que seleciona a raça e privilegia os genes mais notáveis, daí as demonstrações mais bizarras de força se apresentam com mais veemência no tom de voz, na simetria da estética, nos poderes sociais, nos processos ilusórios do ter, do ser e do poder.
É bem ai que nos descobrimos como de fato nós somos: imperfeitos, eternos aprendizes e viajantes de um mundo onde o nosso amor próprio, o orgulho, a vaidade, muitas vezes falam mais alto que o bom senso e a coragem para viver e lutar pelo que de fato buscamos: a sobriedade!
Nesta nossa caminhada temos aprendido em quantas situações somos fracos e impotentes, mas também aprendemos e buscamos força para exercer uma influência positiva sobre nós mesmos, sobre as pessoas que amamos e o mundo em que vivemos.
1º Passo:
Admitimos que éramos impotentes perante o álcool – que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.
“A força nascendo da fraqueza”

Pode-se perceber, com nitidez, que nos tempos atuais a tecnologia que desponta se apresenta como uma nova divindade. Uma tecnologia fascinante que aproxima pessoas e eventos distantes, mas que por vezes separa aqueles que estão próximos. Um paradoxo contemporâneo que já nos habituamos como um reflexo da modernidade ou como algo muito normal.
Cada vez mais as máquinas se tornam interativas e o contato pessoal mais distante. O perverso e doentio desta nova ideologia é que somos levados a aceitar como naturais e verdadeiros os valores que estão nos objetos externos.
Observamos que dentro do atual espírito consumista os remédios compensam qualquer dificuldade, as drogas e o álcool substituem contato e o conforto humano.
Pois é justamente o contato interpessoal, esta relação intersubjetiva, que se constitui, em Alcoólicos Anônimos a base de nossa recuperação.
Pode-se, em princípio, ter a impressão que a nossa Irmandade está na contramão da história, quando na realidade é a sociedade atual que se encontra na contramão do bom senso e da sanidade.
A nossa época já foi definida por um historiador como a “Era do Narcisismo”. Uma sociedade de pessoas egocêntricas e solitárias.
Na minha vida o alcoolismo se tornou um mergulho para dentro de mim mesmo, não como o sentido de reflexão e autoconhecimento, mas com a característica de isolamento e solidão.
Eu me sentia em constante contrate com a sociedade de um modo geral. Era antes de tudo um solitário limitado pelas minhas próprias contradições. Tinha uma personalidade em constante conflito comigo mesmo e com o outro e desta forma o álcool se tornou um anestésico para camuflar esta realidade e uma muleta para compensar minhas inadequações.
Havia me tornado um ser atormentado por desejos ardentes e tristes pesares. Sentia, diante da vida, uma fraqueza, sem força para me reerguer.
Meu ingresso em Alcoólicos Anônimos possibilitou-me verdadeira transformação na situação em que me encontrava. Da fraqueza nasceu a força que tanto necessitava através do acolhimento e carinho tão característicos em quaisquer grupos de A. A. , os quais me encantaram desde o primeiro momento.
Percebi que se tratava de uma Irmandade muito especial. Um grupo com um propósito comum no qual aprendi a conviver com o outro. A conviver com as diferenças que caracterizam uma sociedade verdadeiramente democrática.
Convivemos com diferentes pessoas respeitando os seus respectivos valores e suas maneiras próprias de encarar a vida.
Em A. A. temos a oportunidade de conhecer pessoas diversas, com personalidades distintas, com experiências alcoólicas bastante pessoais, mas que almejam um único objetivo comum: a libertação da servidão que o alcoolismo impõe.
Como Dr. Bob ressaltou: “O álcool é um grande nivelador de pessoas e A. A. também.” Nossa Quinta Tradição estabelece que A. A. tem um único propósito primordial o de transmitir sua mensagem ao alcoólico que ainda sofre.
Bill declara em um artigo de 1946: “O primeiro registro por escrito da experiência de A. A. foi o livro Alcoólicos Anônimos, que abordou o âmago do nosso maior problema a libertação da obsessão pelo álcool.”
A questão que se põe, no entanto é: – qual é a função primordial do hábito de beber de forma obsessiva?
Antes de obter o prazer, a finalidade principal é a de evitar em pensar e a de evitar o sofrimento. O alcoolismo é então uma tentativa de não sentir a dor existencial. É uma negação da própria condição humana.
É compreensível, portanto que o alcoólico ao negar em princípio, seu próprio alcoolismo expresse, de forma subjacente, uma fragilidade e um temor ao sofrimento, um sofrimento que no meu caso antecedeu o hábito de beber. Percebendo este quadro senti a necessidade de entrar em ação para reverter aquele ciclo vicioso. Precisava adquirir uma força partindo da minha própria fraqueza.
De início uma noção da realidade: a consciência da impotência diante da obsessão pelo álcool e a aceitação de que apesar de ser uma doença incurável é perfeitamente tratável, podendo, portanto ficar inteiramente sob controle.
E assim, a partir do Primeiro Passo, adquiri a força necessária seguindo as sugestões do mesmo.
Vivo o presente dentro do plano das 24 horas. Através do inventário pessoal faço uma releitura do passado tentando tirar o melhor proveito das circunstâncias, ainda que adversas.
Esta atitude permite nortear a minha ação presente para que venha se constituir em uma base segura para o futuro.
Enfim, passado, presente e futuro podem ser vivenciados dentro do plano das 24 horas. É um plano simples e singelo, mas que funciona.
Como sempre é enfatizado em nossas reuniões: “Basta fazer certo que dá certo”.
(Fonte: Revista Vivência Nº 111 – Richard/Rio de Janeiro/RJ)

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